TAUSSIG, Michael. Mimesis
and alterity: a particular history of the senses. Routledge. Nova York. 1993.
2- Esta forma de indistinção relativa e
parcial serve de motor para uma longa exposição daquilo que Frazer chama de
arte da mágica, a mesma exposição que vem a servir como documento de base para
o Esboço de uma teoria da magia de
Mauss e Hubert. Um meio que permite com que civilização e selvageria sejam
postos num plano de indistinção e cujas ruínas permitem que o antropólogo possa
se transportar até esta mesma zona de indistinção relativa serve como ambiente
privilegiado da teoria da mimesis de Michael Taussig (1993) que não obstante
ser uma história particular dos sentidos,
e não uma história geral, parte da premissa de que esta mesma história é antes
de tudo atrelado às formas de corporificação – de presença, o meio de relação.
As histórias que Taussig narra, e no final
de contas se trata de uma colagem algo dadá de narrativas em que o tema da
semelhança toma forma replicando de alguma forma o método de retirar do
contexto e fazer valer a relação por algum meio em que seja possível fazer
viger a semelhança. É uma arte da magia que, contudo, trata Frazer como
remanescente de outra coisa cujas ruínas, na verdade traços no papel, permitem
outra forma de aceder ao selvagem, tão ambíguo quanto o sacerdócio praticado em
Nemi. Selvageria delicada de uma história particular que não cessa de produzir
transportes entre o selvagem e o civilizado que, numa variação da história
natural humana faz da animalidade uma forma de narrá-la. Afinal, selvagem mesmo
que vitoriano, humano. O chimpanzé de Um
relatório à academia, de Franz Kafka é talvez o símbolo perfeito para este
outro passo rumo a uma teoria da magia que não abre mão da história natural,
ainda que seja de um tipo particular – em primeira pessoa, o chimpanzé já não é
mais macaco mas ainda se lembra que, de alguma forma, o foi. O macaco se foi
para que pudesse, todavia, ser lembrado nessa variação individuada da seleção
natural em que o que resta como memória é, sugestivamente, o tendão de Aquiles.
“Falando
francamente – por mais que eu goste de escolher imagens para estas coisas –
falando francamente, sua origem de macaco, meus senhores, até onde tenham atrás
de si algo dessa natureza, não pode estar tão distante dos senhores como a minha
está diante de mim. Mas ela faz cócegas no calcanhar de qualquer um que caminhe
sobre a terra – do pequeno chimpanzé ao grande Aquiles.” (Kafka, 1991:58)
Esta não é uma história natural avant la lettre. E como epígrafe que é
para Mimesis and alterity, não é
exatamente o bucolismo de Virgílio. Contudo, parece nos transportar para o
mesmo lugar, caso consideremos que lugar aqui não é meramente paisagem. É um
meio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário