sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O meio de transporte: sobre a doutrina do similar e outros segredos.

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WIENER, Norbert. Deus, Golem & Cia. Cultrix. São Paulo. 1971 

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Ora, se a conversão do funcionalismo em cibernética merecer maior atenção, o que se passa é que existe uma distinção importante entre figura e fundo que é, para todos os efeitos, fundamental. Porque é ela que destaca os momentos de relação em que a singularidade da imagem, quando afirmada, não implica na abdicação de sua possibilidade de permuta e circulação a depender do meio de transporte, isto é, o fundo que lhe serve de esteio, a convergência que culmina em ontogênese; a narrativa que coincide na filogênese. Quando percebemos que há uma possibilidade de permuta imagética que faz com que a narrativa da história das religiões mova entre as figuras de Artemísia, Diana e da Virgem Maria – esta é a hipótese de Frazer -, isto implica não somente em um sistema subjacente que conduz as transformações mas em uma variação da figura como variação da imagem como ela mesma e como padrão – que Norbert Wiener (1971:38-39) define como pictórica e operante, respectivamente. Os termos que ele utiliza não são tão importantes quanto o exemplo e as consequências do mesmo para fins da elaboração de um modelo.
Wiener discute no livro em questão a relação entre criação e criatividade, e de qual forma um objeto criado como máquina pode ele mesmo apresentar sinais de criatividade. É importante não esquecer que a discussão toda, produzida nas décadas compreendidas entre 1940-1970, está inundada de referencias à teoria da informação, aos investimentos da IBM em computadores capazes de jogar xadrez e aprender com os jogos passados produzindo pela primeira vez sistemas estocásticos artificiais – isto é, memória cujo registro de dados altera o sistema com relação à forma pela qual os dados futuros serão registrados; aprendizagem.
Qual imagem mítica mais poderosa para a discussão a respeito dos encantos da criação mecânica se não a de Pigmaleão e Galatéia? O artesão que concretiza a beleza ideal tem em suas mãos, após intervenção divina, a mesma imagem respondendo aos desígnios da vida. De figura à movimento, Galatéia é operante quando viva. A história de Pigmaleão é um dos pináculos poéticos do automatismo, e na versão de Wiener serve para encenar uma relação delicada entre criador e criatura que culmina em uma outra questão, o da relação entre o original e a cópia.

Uma forma reprodutora pode construir a imagem de um modelo de um cabo de arma e este é suscetível de ser utilizado uma arma. Mas isso se deve ao fato de que a finalidade de um cabo de arma é relativamente simples. De outra parte, um circuito elétrico pode desempenhar uma função relativamente complexa e sua imagem, obtida à custa de impressoras aplicadas a tintas metálicas, é capaz de agir como o próprio circuito que representa. Os circuitos impressos são muito comumente empregados na moderna engenharia elétrica.”(Wiener, 1971:38-39)

Uma imagem que, por via da devida mediação, se transforma em uma outra imagem e que, por isso, opera. A relação entre as imagens não é, todavia, figurativa mas de modulação segundo certos padrões que podem muito bem ser abstratos e que tem como componente central sua convertibilidade, isto é, uma imagem conduz a produção da imagem seguinte sem necessariamente comprimir a analogia em elementos visíveis ainda que seu propósito seja produzir visibilidade ou, em caso de outras dimensões estéticas, formas perceptíveis. Assim:

É possível, pois, obter imagens pictóricas e imagens operantes. Estas desempenham as funções do original e podem ou não assemelhar-se do ponto de vista pictórico, ao original. Semelhantes ou não aos originais, podem substitui-los em suas funções e isso é, de fato, uma similaridade de caráter mais acentuado. É segundo a perspectiva de semelhança operante que estudaremos a possível reprodução das máquinas.” (Wiener, op.cit.)

É assim que Diana vista do ponto de vista dela mesma, é uma estátua contrabandeada desde a Crimea até Nime mas que se converte num meio de relação entre Artemísia e Virgem Maria quando posta na escala da religião natural de forma que metaforicamente, tanto Artemísia quando a Virgem Maria sejam Diana sem que seja possível confundi-las quanto a sua figura.  

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