WIENER, Norbert. Deus, Golem & Cia. Cultrix. São Paulo. 1971
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Ora, se a conversão do funcionalismo em
cibernética merecer maior atenção, o que se passa é que existe uma distinção
importante entre figura e fundo que é, para todos os efeitos, fundamental.
Porque é ela que destaca os momentos de relação em que a singularidade da
imagem, quando afirmada, não implica na abdicação de sua possibilidade de
permuta e circulação a depender do meio de transporte, isto é, o fundo que lhe
serve de esteio, a convergência que culmina em ontogênese; a narrativa que
coincide na filogênese. Quando percebemos que há uma possibilidade de permuta
imagética que faz com que a narrativa da história das religiões mova entre as
figuras de Artemísia, Diana e da Virgem Maria – esta é a hipótese de Frazer -,
isto implica não somente em um sistema subjacente que conduz as transformações
mas em uma variação da figura como variação da imagem como ela mesma e como
padrão – que Norbert Wiener (1971:38-39) define como pictórica e operante,
respectivamente. Os termos que ele utiliza não são tão importantes quanto o
exemplo e as consequências do mesmo para fins da elaboração de um modelo.
Wiener discute no livro em questão a
relação entre criação e criatividade, e de qual forma um objeto criado como
máquina pode ele mesmo apresentar sinais de criatividade. É importante não
esquecer que a discussão toda, produzida nas décadas compreendidas entre
1940-1970, está inundada de referencias à teoria da informação, aos
investimentos da IBM em computadores capazes de jogar xadrez e aprender com os
jogos passados produzindo pela primeira vez sistemas estocásticos artificiais –
isto é, memória cujo registro de dados altera o sistema com relação à forma
pela qual os dados futuros serão registrados; aprendizagem.
Qual imagem mítica mais poderosa para a
discussão a respeito dos encantos da criação mecânica se não a de Pigmaleão e
Galatéia? O artesão que concretiza a beleza ideal tem em suas mãos, após
intervenção divina, a mesma imagem respondendo aos desígnios da vida. De figura
à movimento, Galatéia é operante quando viva. A história de Pigmaleão é um dos
pináculos poéticos do automatismo, e na versão de Wiener serve para encenar uma
relação delicada entre criador e criatura que culmina em uma outra questão, o
da relação entre o original e a cópia.
“Uma
forma reprodutora pode construir a imagem de um modelo de um cabo de arma e
este é suscetível de ser utilizado uma arma. Mas isso se deve ao fato de que a
finalidade de um cabo de arma é relativamente simples. De outra parte, um
circuito elétrico pode desempenhar uma função relativamente complexa e sua
imagem, obtida à custa de impressoras aplicadas a tintas metálicas, é capaz de
agir como o próprio circuito que representa. Os circuitos impressos são muito
comumente empregados na moderna engenharia elétrica.”(Wiener, 1971:38-39)
Uma imagem que, por via da devida
mediação, se transforma em uma outra imagem e que, por isso, opera. A relação
entre as imagens não é, todavia, figurativa mas de modulação segundo certos
padrões que podem muito bem ser abstratos e que tem como componente central sua
convertibilidade, isto é, uma imagem conduz a produção da imagem seguinte sem
necessariamente comprimir a analogia em elementos visíveis ainda que seu
propósito seja produzir visibilidade ou, em caso de outras dimensões estéticas,
formas perceptíveis. Assim:
“É possível,
pois, obter imagens pictóricas e imagens operantes. Estas desempenham as
funções do original e podem ou não assemelhar-se do ponto de vista pictórico,
ao original. Semelhantes ou não aos originais, podem substitui-los em suas
funções e isso é, de fato, uma similaridade de caráter mais acentuado. É
segundo a perspectiva de semelhança operante que estudaremos a possível
reprodução das máquinas.” (Wiener, op.cit.)
É assim que Diana vista do ponto de vista
dela mesma, é uma estátua contrabandeada desde a Crimea até Nime mas que se
converte num meio de relação entre Artemísia e Virgem Maria quando posta na
escala da religião natural de forma que metaforicamente, tanto Artemísia quando
a Virgem Maria sejam Diana sem que seja possível confundi-las quanto a sua
figura.
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