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É inútil, contudo, reagir a Frazer
repetindo a milonga da ignorância, dizer que ele não sabe do que é que está
falando quando reduz à mera superstição a quase totalidade daquilo que ele
chama de teoria da magia – isso Wittgenstein o fez com rendimento superior ao
que eu poderia fazer. E no meu caso, fazê-lo implicaria em repetir Frazer
naquilo que ele tem de menos admirável e redutor, o que é seguramente a forma
mais fácil de transformá-lo na figura ilegível para a qual Marilyn Strathern
chama a atenção, quando os modernos se convertem nos selvagens de todos aqueles
que finalmente os teriam superado. O que me parece mais exato é recuperar uma
dimensão específica que não redime a antropologia vitoriana de nenhum de seus
pecados, mas que talvez possa sugerir um percurso que os façam um tanto quanto
menos selvagens, menos ainda que os selvagens dotados do barbarismo da
superstição. Se me for permitido reduzir O
ramo de ouro a uma só intenção eu gostaria de dizer que se trata de um
enorme esforço, quase que desproporcional, em contar uma história. Só uma. E
que, para tal, será preciso confundi-la com a história da humanidade, sua
história original. Eis um motivo adequado para fazer viver o ato da magia que
faz indistintos o original e a cópia senão por uma investigação severa de
evidências circunstanciais. O ramo de
ouro, o mais longo tratado pericial de ciência criminal da antropologia
moderna. E como todo exercício do gênero, é necessário desconfiar daquilo que
diz seu informante, mesmo que ele seja Ovídio, Virgílio ou Pausânias. É nesta
hora que percebemos que o informante, ainda que não necessariamente para o caso
presente, é sempre um suspeito. Um suspeito em potencial. E aqui encontramos
uma entrada forte para o problema do ato ritual com relação aos mitos narrados;
sobre o valor do ato mágico contraposto à teoria da magia; e, no meu caso,
porque a metodologia se mistura, na confusão entre figura e fundo, com a
história que se conta. O que se diz deve
ser lido à luz daquilo que se faz – forma peculiar da longa tradição que
distingue dizer do fazer.
Aqui, contudo, parece que cometo um
equívoco dos mais graves. Porque o objeto em questão são histórias de origem de
costumes e ritos, o que está muito bem distribuído por quase toda a extensão da
história das religiões comparada, seja fundada no teísmo, na fé ou mesmo na
filogênese formal das instituições. Comparar estas historias de origem com um
procedimento criminal parece abusivo, ainda que feito a partir dos escritos de
Hocart, quem flerta com esta analogia sem pudor algum. Parece dizer que as
histórias de origem são por fim, histórias de assassinato. Não sei se poderia
chegar neste ponto, ainda que o ato historiográfico moderno por excelência, o
mesmo ressaltado por Jules Michelet nas primeiras páginas de sua Histoire de la Révolution Française e
reiterado à primeira oportunidade, seja a conversação com mortos mediante os
meios disponíveis. A mera morte de outrem não permite deduzir seu assassinato
da mesma forma que não é possível simplesmente confundir assassinato com
origem, não porque o assassinato não seja um excelente ponto de partida para
uma história mas porque a origem não precisa advir do fratricídio. Há histórias
que começam com o mais surdo golpe de um fiat,
um mero acontecimento. A morte é um deles.
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