Diana - janela do Musée du Louvre; fotografia de Refrator de Curvelo |
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FRAZER,
James George. The golden bough: the magic
art (2/13 vol.). Macmillan. 1990 [1913].
VIRGÍLIO. Eneida. (trad/ Odorico Mendes). Ateliê/Unicamp. Campinas.2005.
Feliz ou infelizmente, Frazer não dispõe
de nenhum cadáver a partir do qual ele possa conduzir qualquer elogio a Claude
Bernard. No entanto, dispõe de documentos a partir dos quais recupera os poucos
fatos que tramam uma cadeia de relações de espaço tempo com uma
meia-dúzia de histórias que viraram escombros. Assim, a adoração à deusa Diana
em Nemi fora instituída por Orestes quem, depois de matar Thoas, Rei da
Queroneso Táurico (Crimea) traz consigo para a Itália sua irmã e a imagem da
Diana Táurica escondida num feixe de gravetos. Uma vez morto seus ossos foram
transportados de Aricia para Roma vindo a serem enterrados no templo de
Saturno. A lenda táurica sugere que o estrangeiro que chegasse pelo mar seria
sacrificado no altar da deusa, o que na Itália assumiu uma outra forma.
“Crescia
no santuário de Nemi uma determinada árvore cujo galho algum poderia ser
quebrado. Apenas um escravo em fuga tinha a permissão de, caso tivesse forças,
tomar um dos seus ramos. Se bem-sucedido o escravo adquiria o direito de lutar
uma justa com o sacerdote do lugar e, vindo a mata-lo, reinaria em seu lugar
portando então o título de Rei do Bosque (Rex Nemorensis). De acordo com a opinião dos antigos o
galho fatídico era o Ramo de Ouro o qual, reza a profecia da Sibila[1],
Enéas arrancara antes de seguir em sua jornada rumo ao mundo dos mortos. A fuga
do escravo representava, assim é dito, a fuga de Orestes, sendo o combate com
os sacerdotes a reminiscência dos sacrifícios humanos outrora oferecidos para
Diana Táurica. Observa-se tal regra, a de sucessão pela espada, nos tempos
imperiais; dentre outras de suas atrocidades Calígula manda um rufião vigoroso
assassinar o sacerdote por considerar que estivesse no ofício por tempo demais;
e um viajante grego que visitava a Itália na era Antonina observa que naquela
época o preço pela vitória em uma justa seguia sendo o sacerdócio.”(Frazer,
1990:11 – tradução minha)
Antes de mais nada, o segredo está na
figura de Diana Táurica cuja imagem fora contrabandeada até Nime. Ela,
protetora de homens e mulheres em gestação, garante de partos com boa chegada.
As estátuas de bronze que passaram a adornar seu santuário carregam uma tocha
na mão direita cujo fogo se encontra presente igualmente em uma lâmpada de fogo
perpétuo no mesmo santuário com vistas na proteção do Imperador Claudius, fogo
mantido e guardado pelas vestais. Os detalhes a respeito da matéria que
mantinha o fogo estão arroladas em registro arqueológico que passam a ter maior
relevância quando a discussão se encarrega de apresentar uma coincidência
histórica quanto ao calendário das festividades em homenagem à Diana. Ainda que
não conheça os detalhes sobre a conversão dos calendários, em especial do
Justiniano ao gregoriano e como é que transitam as datas neste deslizamento, a
festa em homenagem à Diana se dava no dia 13 de agosto. É em 15 de agosto que a
Assunção da Virgem Maria é comemorada – a diferença de dois dias se repete em
outro caso, em 23 de abril na festa de São Jorge que outrora fora o festival
romano da Parília, no dia 21. Frazer deixa claro que celebrar a Assunção da
Virgem visa proteger vinhedos e outras frutas (maçãs) que ele não especifica – fora de contexto. Este é o período em
que muitas frutas estão amadurecendo, sendo portanto um período de colheita,
domínio igualmente protegido por Artemísia. Entendendo que Artemísia é a
antecedente grega da Diana italiana, é possível estender as relações que
perpassam as duas figuras nas extremidades da cronologia. Se Artemísia é um
similar de Maria no que diz respeito ao culto de proteção aos vinhedos e sua
colheita, nada impede que a cadeia de analogias inclua Diana. A analogia é,
obviamente, do culto, dos ritos e da relação com os ritmos cósmicos registrados
em calendário. Não chegamos perto do limiar da interpretação dos símbolos em
que a imagem é sinal de algo. Tudo o que temos é o local e a data do crime
marcados pela ruína cerimonial em que a similaridade cumpre o papel de crime
serial.
A história a ser contada envolve mais duas
deidades menores sendo uma delas, Egéria, ninfa das águas claras, outrora
amante ou esposa do rei Numa. Em Roma é possível encontrar, em Porta Capena,
uma outra caverna igualmente sob domínio de Egéria, igualmente disposta aos
ofícios das vestais. A outra deidade, igualmente retratada nos versos de
Ovídio, é Virbius, que igualmente igualmente e nos mesmos versos, ao nome de
Hipólito, o casto e justo tendo aprendido com o centauro Quirão as artes
venéreas. Foi também parceiro de caça de Artemísia e levado à morte por deus do
mar que apavorou seus cavalos quando viajava pelo golfo Sarônico. Diana, aqui,
é quem traz seu amado de volta à vida enfurecendo Júpiter que convoca Hades
para levar o mortal para o seu lugar de direito. Disfarçado, é levado a Nemi e
fica sob os cuidados de Egéria. Assim, trata-se de uma associação ao redor de
Diana cuja natureza é o caminho que a investigação deve seguir[1] e
que Frazer não demora nada em afirmar qual seria, qual seu caráter a-histórico.
Há uma classe de mitos que explica a origem dos rituais religiosos que não tem
outra fundação que não seja a semelhança real ou imaginária que possa ser
traçada entre a presente instituição e algum ritual que lhe seja estrangeiro
(Frazer, 1990:21)? Diana de Nime é um padrão a partir do qual se impõe uma
comparação que é antes de mais nada, artificial dado que o original de fato é
da ordem da razão funcional. Não é Diana a origem, mas a partir dela é possível
abstrair o fator original a partir do qual a história é repetição; a cópia cuja
mimesis a faz se confundir com o original. Aliás, sem a noção de função é
difícil imaginar esta concepção de mimesis em que o original não é uma forma,
mas sim sua pulsão de informar, o que a cibernética vem a sugerir como sendo a
dinâmica da informação [http://docurvelano.blogspot.com.br/search?q=Simondon].
[1] A natureza desta associação permite que retomamos
passagens como as abordadas por Brent Nongbri (2013), como a beatificação de
São Josafá cujos apontamentos filológicos sugerem ser, na verdade, ou também,
Sidarta. Sobre Hipólito lemos em The
Golden bough: “”But the truth is”
says Servius, “that he is a deity
associated with Diana, as Attis is associated with the Mother of the Gods, and
Erichthonius with Minerva, and Adonis with Venus”. What the nature of that
association was we shall enquire presently. Here it is worth observing that his
long and chequered career this mythical personage has displayed a remarkable
tenacity of life. For we can hardly doubt that the Saint Hyppolytus of the
Roman calendar, who was dragged by horses nto death on the thirteenth of
August, Diana’s own day, is no other than the Greek hero of the same name, who
after dying over as e heathen sinner has been happily resuscitated as a
Christian saint.” (1990:21).
[1] “Anquísea e
diva estirpe,/Descer a Dite é fácil; dia e noite/Seus cancelos o Tártaro
franqueia: / Tonar atrás e à luz, eis todo o ponto,/ Eis todo o afã. Do reto
Jove amados,/ Ou por virtude ardente ao céu subidos,/ Poucos, filhos dos
deuses, o alcançaram:/ Medeia um bosque, e sinuoso em torno/Enfuscado o Cocito
a espreguiçar-se./ Mas vezes duas se tranar a Estige/E a lôgrega morada ver
cobiças/ Se tanto folgas do ímprobo trabalho,/ Ouve e à risca o executa. Árvore
opaca, / Dicada à inferna Juno, oculta um ramo/ N’haste e nas folhas áureo: em
vale umbroso/O encobre e fecha a denegrida selva. Sem que destronque o aurícomo
rebento, / No Orco ninguém se interna: é dom que exige/E insistiu Prosérpina
formosa./ Uma fora, brota o novo, e do luzente/ Metal frondesce a vara. Em alto
a mira,/ Indaga, e achando-o respeitoso o apanhes; /Que, a te ser destinado,
ele espontâneo/Logo te cederá; senão com força/ Nem duro ferro poderás sacá-lo.
Porém, desta consulta enquanto pendes,/ Ai!, mal sabes que as naus te incesta
agora/De amigo exânime o feral cadáver:/ No sepulcro o aposenta; em negras
reses/ Enceta a expiação. É como aos vivos/ O ínvio reino sombrio e Estígias
brenhas/ Hás de avistar.” Calou-se, e os lábios cerra/ De olhos fixos,
tristonho, eventos cegos/ A cogitar, a gruta Enéias larga: trilhando a pegada,
o fido Acates/Volve iguais pensamentos. Sobre o sócio/Que, ao dizer da Sibila,
enterrar devem(...”.)(trad. Odorico Mendes). Resta notar que Eneias é um
escravo fugitivo em potencial que se tornou soberano de seu povo e que a sua entrada no
reino dos mortos demanda o depósito de um morto igualmente. Há aqui um tipo de
espelhamento entre ritual e narrativa que não se pode ignorar, especificamente
porque é a matriz do texto de Frazer como acontecimento ele mesmo.
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