DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix (1996) Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia
(vol. 2), São Paulo, 34.
TARDE, Gabriel. Les
lois de l’imitation. Les empêcheurs de penser en rond/Seuil. Paris. 2001.
11- Passemos a considerar os meios de propagação e
então teremos que considerar o corpo humano como, ele mesmo, um ambiente, um
meio, segundo reza a reflexão acerca da fisiologia de Claude Bernard. Assim, se
no que tange o problema da economia moral em que a discussão a respeito da
função social das esferas da vida, como a religião, se pauta em grande medida
sobre a relação entre o indivíduo moral e a organização social que se impõe ao
mesmo indivíduo em uma malha coercitiva. As considerações a respeito dos meios
de propagação comunicativa da imitação social, como a proposta por Tarde, tem como objeto o borramento das
fronteiras em questão, a saber, entre o
social e o individual e, por conseguinte, fazendo da sociedade uma caixa de
ressonância que atinge escalas infinitesimalmente pequenos e infinitesimalmente
grandes. Ainda que mobilizado por meio de forças psíquicas sem as quais nenhum
argumento poderia fazer sentido, a discussão acerca da economia moral tem um
fator determinante que marca a exterioridade da sociedade a qual, na versão
sonambúlica de Gabriel Tarde, encontramos uma variação temática enorme a
respeito sobre qual é o continente e qual seria o conteúdo impedindo a
estabilidade de qualquer forma de exterioridade. Na verdade, muito pelo
contrário, só o que está dentro importa.
É importante
ressaltar não haver na epiderme das relações qualquer fronteira em que o
Estado-nação seja, na medida da doutrina sobre os dois corpos do rei, um análogo
perfeito do corpo tal como inventara a criação fisiocrata. O que importa é
compreender como a ressonância se dá, por quais meios, com qual intensidade e
extensão, não importando a priori a
imposição das zonas limítrofes do território, como aqueles que demarcariam a
existência da Nigrícia como zona bárbara para além do Mediterrâneo. Tarde parte
da premissa de que o social é parte constituinte das repetições ondulatórias
daquilo que é vital e, não podendo agir por meios exclusivamente sociais (relativos
à ordem moral da morfologia dos agrupamentos e seus direitos constituídos),
opera segundo a materialidade que lhe é própria sem com isso induzir a nenhuma
forma de materialismo. Um mesmo terremoto cujo epicentro seja o mar
Mediterrâneo ondula tanto na face africana quanto na face européia da sua costa,
ainda que de forma desigual.
“Creio me conformar, (...) ao método científico mais rigoroso ao
buscar esclarecer o complexo pelo simples, a combinação pelo elemento e a
explicar o liame social misturado e complicado, segundo nós o conhecemos, por
via do ambiente social mais puro e reduzido à mais simples expressão a qual,
por instrução do sociólogo é realizada com sucesso no estado sonambúlico.”
(Tarde, 2001:136)
E mais
adiante:
“Suponha um homem que, subtraído
hipoteticamente de toda influência extra-social, em contato direto com os
objetos naturais, em meio às obsessões espontâneas dos seus diversos sentidos
sem travar comunicação senão com seus semelhantes ou, então, como somente um dos seus semelhantes,
para simplificar a questão. Não seria então recomendável estudar justamente
este sujeito de escolha, por experiência e observação, em suas características
verdadeiramente essenciais quanto às relações sociais, desembaraçado assim de
toda e qualquer influência das ordens física e naturais próprias a lhe
complicarem? Mas o hipnotismo e o sonambulismo não são eles precisamente a
realização desta hipótese?”(Tarde, 2001:136-137)
Nem anormal,
tampouco condição limite. Na verdade, mais uma variação do tema “idéias sugeridas que se crêem espontâneas”
uma vez que a sociedade propaga a ilusão de repetição em um mecanismo similar,
ou mesmo idêntico àquele estabelecido pelo magnetismo animal – não tratando
aqui o conceito de ilusão com o de mentira, o que talvez possa ser melhor
descrito pelo conceito redundante de fazer-fazer
(Deleuze & Guattari, 1996) que é, notemos bem, uma repetição ele mesmo e
que não denuncia senão o tipo de movimento próprio ao que se passa, por
exemplo, no exercício da intimidação. Eis a situação na qual o intimidado escapa de si mesmo de forma a ser
manipulável e maleável pela ação de outrem ainda que tente resistir que é, de
qualquer forma, assaz similar ao estado sonambúlico; e à imitação da linguagem
primitiva que não faz outra coisa senão se repetir, o que é próprio do domínio
da estatística, por sinal.
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