TARDE, Gabriel. Les
lois de l’imitation. Les empêcheurs de penser en rond/Seuil. Paris. 2001.
TYLOR,
Edward Burnett. Primitive Culture:
researches into the development of mythology, philosophy, religion,
language, art and custom. John Murray. Londres. 1873 [1871].
13- Que me seja permitido, aqui, simplesmente
repetir um trecho de uma nota anterior.
- “Se
há fumaça, há fogo. Se na relação indiciária o que entra em questão é a
contiguidade entre sinal e objeto, a crítica ao fetichismo como fórmula do
mal-entendido, ou de um mau hábito de pensamento, está em extrapolar uma
relação de contiguidade a toda uma cadeia causal maior e mais sutil. Este erro
faz com que todos os que o cometam estejam, digamos, na infância da razão o que
significa que a racionalidade e a irracionalidade são ambas potências de casa
ato de juízo e que, com a finalidade do seu melhor desenvolvimento – Primitive Culture advoga em favor de uma
antropologia do desenvolvimento – devem ser orientados segundo a ordem do
método, a uma espécie de administração tutelar:
“The Maori may give a sample of
the character of its rules: they hold it unlucky in an owl hoots during a
consultation, but a council of war is encouraged by prospect of victory when a
hawk flies overhead; a flight of birds to the right of the war-sacrifice is
propitious if the villages of the tribe are in the quarter, but if the omen is
in the enemy direction, the war will be given up.”(Tylor, 1873:108)
O vôo do falcão é índice de um certo
futuro emitidos desde o presente àquele que testemunha, transmitido desde
alhures. A crítica que a antropologia contemporânea poderia fazer a esta
passagem, e a todas as demais, culminaria em super-inflar o problema do
contexto, fazendo com que os requisitos de uma teoria do conhecimento baseado
no conceito de representação como duplo das séries empíricas apreendidas pelos
órgãos dos sentidos e organizadas conceitualmente sofram de hipertrofia. Dito
de outra forma, Tylor estaria agindo como os primitivos que ele classifica como
tal ao isolar toda uma relação possivelmente complexa entre os maori e as corujas,
considerando-a um erro de atribuição reduzindo causalidade às relações de
caráter indiciário. Assim, relações de caça, orientação meteorológica, espacial
que seguramente compreendem um complexo de relações entre corujas e maori – e o
contrário – não estariam sendo considerados. Grande parte do esforço
etnográfico comprometido com a temática do realismo da descrição etnográfica
persiste na tarefa, para todos os efeitos ética, em descrever com vistas em
dizer e comprovar que o primitivo vitoriano – algo semelhante ao religioso dos
libertinos – não existe. Contudo, o primitivo é algo mais difícil de capturar
porque ele sempre tende a ser alguma outra coisa.”(9)
O jornal é o meio que pensa para o leitor.
Não somente reporta eventos que, uma vez acontecidos são considerados
pertinentes à comunidade de assinantes e leitores – o que é um problema
retórico, pois o jornal não é necessariamente redigido pensando em pensar para
os leitores acidentais -; o jornal publica tendências, aponta o futuro por via
de técnicas diversas. Uma delas é exatamente a estatística, que cumpre a função
de avisar sobre os perigo iminentes.
“As
folhas públicas se transformaram socialmente então naquilo que são vitalmente os órgãos dos sentidos. Cada escritório de
redação não será mais que um confluente de diversos escritórios de burocracia,
algo semelhante à retina como feixe de nervos especiais recebendo, cada um, sua
impressão característica, ou como o tímpano é um feixe de nervos acústicos. Aqui
a estatística é uma espécie de olho embrionário semelhante ao dos animais
inferiores que então enxergam somente o necessário para reconhecerem a
aproximação de um inimigo, ou de uma presa; ainda assim, é um serviço e tanto
que nos oferece vindo a nos impedir assim de correr sérios riscos.”(Tarde,
2001:195)
Assim, há o momento da produção. E então a
estatística é observação, coleta de dados, registro, catalogação e organização
arquivística; é também a produção de cronologia temática dispondo de sinais
para a entrada e saída, a conexão com outros arquivos presididos com a mesma
constância, com as mesmas escalas temporais de forma a permitirem a indução da
diacronia sincronizada – a estatística é, portanto, um esforço da anulação da
diferença entre o tempo estrutural e o tempo cronológico, o que só seria
possível na tradução estatística de todos os tempos e de todas as coisas
diluídos num mar de combinatória vindo, assim, a simular todo um mundo. No
momento de produção o que vemos é um exercício impessoal de composição de tudo aquilo
que mais adiante será estatística vindo a ceder, no momento de sua publicação
em que a fisionomia registrada numa curva literalmente mostra a sua face, ainda
que de perfil. Ver a estatística não é, em medida alguma, o mesmo que
produzi-la. O ato de ver a curva implica, para aquele que vê na curva um
produto estatístico, no mesmo que capturar o movimento de algo sem que seja,
absolutamente, o movimento de alguém. Assim,
que se move é a criminalidade, os nascimentos, os casamentos, os
suicídios. Ver as curvas sinuosas em seus movimentos bruscos repete os passos
de quem observa as curvas agudas do vôo das andorinhas. Afinal, o que vemos
como produto da atividade estatística é um desenho que é, também, a abertura
premonitória para o futuro[1].
[1] « Pourquoi,
dirais-je, les dessins statistiques tracés à longue source papier par des
accumulations de crimes et de délits successifs transmis en procès-verbeaux aux
parquets, des parquets, en états annuels, au bureau de statistique à Paris, et
de ce bureau, en volumes brochés, aux magistrats des divers tribunaux, pourquoi
ces silhouettes, qui expriment elles aussi, et traduisent aux yeux des amas et
des séries de faits coexistants ou successifs, sont-elles réputées seules
symboliques, tandis que la ligne tracée dans ma rétine par le vol d’une
hirondelle est jugée une réalité inhérente à l’être même qu’elle exprime et qui
consisterait essentiellement, ce nous semble, en figures mobiles, en mouvements
dans l’espace figuré ? Est-ce que, au fond, il y a moins de symbolique que
là ? Est-ce que mon image rétinienne, ma courbe graphique rétinienne du vol de cette hirondelle n’est pas
seulement l’expression d’un amas de faits (les divers états de cet oiseau) que
nous ‘avons aucune raison de regarder comme analogues le moins du monde à notre
impression visuelle ? » (Tarde, 2001 :192)
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