quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Não como secularização, mas como sobrevivência: notas sobre a ruína, a morada e o fantasma do religioso.


 
TARDE, Gabriel. Les lois de l’imitation. Les empêcheurs de penser en rond/Seuil. Paris. 2001.


12- A sociedade como um grupo de pessoas que se entre-imitam e contra-imitam;  a matéria como extensão mediadora com propriedades ondulatórias específicas; e então, a estatística. Eis a ciência com dotada de capacidades de “1º determinar a imitação potencial própria de cada invenção em um tempo e país específicos; 2º, mostrar os efeitos favoráveis e produtos alimentados pela imitação de cada um, e por conseguinte, de influenciar aqueles que terão conhecimento destes números, segundo o pendor em seguir ou não tal ou qual exemplo.”(Tarde, 2001:170). Uma caricatura feita algo de improviso, trata-se de uma meteorologia intra-escalar em que é possível escolher entre ser e sofrer a tempestade; entre inundar e ser inundado; entre secar e ser seco. É possível, em tese, ser perigoso, evitar o perigo, ou assumir certos riscos – neste caso, a única forma em que o risco de ser perigoso diminui em alguma medida.  De forma definitiva, constatar ou influenciar as imitações, eis todo o objeto das pesquisas do gênero que, todavia, participa do empreendimento de intuir o tempo futuro. E aqui o paralelo entre arqueologia e a estatística feita por Tarde merece atenção, dado que cada uma delas visa atingir o ponto em que tudo se transforma em indistinção do ponto de vista da outra.
            A arqueologia, a mesma que oferece horizonte da antropologia de Tylor, busca o detalhe individual da forma, um complexo restrito de um movimento morto que somente ressoa por via de fragmentos, ou de um mesmo ou de vários objetos que sugerem a relação invenção-imitação da enorme cadeia difusora do globo terrestre. Ao chamar o perfil estatístico de curva hieroglífica, Tarde sugere que a relação do estatístico com a curva derivada dos dados que descrevem o nexo invenção-imitação em um dado eixo de espaço e tempo é da quem se relaciona com um dado arqueológico. As curvas são “pitorescas e bizarras como o perfil das montanhas” e, com maior frequência, “sinuosas e graciosas como as formas da vida” vindo a induzir àquele que a decifra uma noção aproximada de tempo futuro.

            As linhas das quais trato são sempre ou montantes, ou horizontais ou descendentes, ou bem, se são irregulares, sempre se pode decompô-las da mesma maneira em três sortes de elementos lineares: escarpados, platôs e declives. Foi a partir da escola de Quételet que o platô serviria como estadia eminente do estatístico pois sua descoberta seria seu triunfo mais belo, devendo ser sua aspiração constante. Nada mais adequado na fundação da Física Social que a reprodução uniforme dos mesmos números, não somente os de nascimento e casamentos, mas de crimes e processos durante um período de tempo considerável. Daí a ilusão (dissipada, é verdade, depois, pela derradeira estatística oficial sobre a criminalidade progressiva do último meio-século) de pensar que os últimos números se reproduzirão efetivamente e com uniformidade.”(Tarde, 2001:173)

            Esta reflexão, que não parece apontar para outra coisa senão para hábitos de pensamento adquiridos pelo efeito tranquilizante de uma linha que aponta para o futuro, recupera o caráter de erro de atribuição que tantas vezes já visitamos aqui e que parece inescapável. No caso é a uniformidade do desenho, o platô que não termina pois o limite da curva é o tempo presente, sugere na mente do estatístico, que está procurando se haver com leis da regularidade, uma constante elaborada na forma de tendência ou probabilidade acentuada. Mas este não é outro senão o seu efeito, igualando a forma com o dado – mais uma vez, produzindo uma zona, uma região de indiferença. Isto porque o artefato que desenha a ordem numérica de propagação é ele mesmo um artefato de propagação e um dado difusor da imagem.

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