DE BROSSES, Charles. (1988[1759]). Du culte de dieux fetiches ou Parallèlle de l’ancienne
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l’Egypte
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7- Intervalo Libertino (primeira parte)
Do Culto dos Deuses Fetiches ou Paralelo da Antiga Religião Egípcia com
a Religião Atual da Nigrícia.
Mapa da Barbárie, Nigrícia e Guiné - 1742 |
Em 1996 vimos revivida, pela enésima vez,
a discussão a respeito do “culto dos deuses fetiches”. Se o fetiche é, na
expressão de Tylor, uma forma de cultural
survival, a discussão sobre o fetichismo sobrevive igualmente e,
provavelmente em bases similares: associações de idéias a partir dos mais
diversos relatos produzindo basicamente erros de atribuição. Seu novo fôlego
vem da sátira de Bruno Latour (2002[1996]) ao trabalho de Charles de Brosses
publicado anonimamente em 1759. A sátira de Latour, para todos os efeitos
excelente, não permite contudo que se entenda a persistência presente tanto na
sátira quanto no documento libertino, da fábula da pedra enquanto fetiche.[1] É ela que serve de componente dramático para
a anedota de Jagannath, o brâmane modernizador que destruía fetiches. “Ele queria destruir fetiches e liberar da
alienação os párias empregados por sua tia, forçando-os a tocar a pedra
sagradas das nove cores, o shaligram
dos seus ancestrais”(2002:51)[2]. Com
o ímpeto de alguém que traz boas novas, ele toma a pedra pelas mãos e passeia
diante de seus tios e dos criados. Jagannath pede para que toquem na pedra,
sugerindo que se uma vez fora ele quem transformara a pedra em shaligram, que então o shaligram se transforme em pedra
novamente – o que produz uma simetria estranha, a de que para desfazer o
feitiço e fazer da pedra somente uma pedra, ele precisaria ser uma espécie
aberrante de brâmane que desfaz as coisas. Ao invés de uma boa nova, o
iconoclasta promove o terror dos párias e a vergonha dos tios brâmanes.
Insistindo no fato de que tratava-se
somente de uma pedra, Jagannath continua a pedir que os párias toquem na pedra,
compartilhando consigo o gesto sacrílego. A insistência é acrescida de violência
e agressividade ao ponto do brâmane vir a assumir o comportamento bestial ou
mesmo demoníaco – se assemelhava ao demônio Bhutaraya. É gritando enlouquecido
de impaciência que faz com que, um por um, os párias viessem a tocar na pedra.
Jagannath joga o shaligram para o
lado como se fosse um reles mineral. Ele, com o diabo no corpo, reduziu-se às
mesmas dimensões daqueles que acusados de cometerem a barbaridade de tratar uma
pedra como um ancestral, foram obrigados a se sujeitar.
“De
repente, ele se tornou um “animal selvagem”, e os párias “criaturas horríveis”.
A objetividade estúpida da pedra, aquela que Jagannath queria fazê-los verificar
com suas próprias mãos, passou pelos servos, eles próprios transformados em
“coisas desprovidas de significação. Invertendo os dons mágicos do rei Midas,
Jagannath fez do shaligram algo que
transforma em pedra aqueles que o tocam para dessacralizá-lo. Ele queria
dissipar a ilusão dos deuses e, amarga ironia!, aqui está ele, “mais ameaçador
que Bhutaraya”” (op.cit.:53).
A fábula faz a sátira ao documento de De
Brosses, mas o papel da pedra como objeto mobilizado em razão de um equívoco a
seu respeito que, a despeito disso, leva o crítico à razão indutivamente merece
atenção. Digo isso porque o diagnóstico a respeito dos deuses fetiches indica
um caminho pelo qual a objetividade narrada por sua relação com os objetos
conduz, por fim ao silêncio ou enfraquecimento crônico da voz do fiel. A saber
por Charles de Brosses, o diagnóstico do fetiche conduz para a cautela radical
com relação aos conteúdos imediatos da experiência do tipo que afirma que a
verdade não pode ser afirmada na primeira pessoa e tampouco no singular – e se
puder, fará da verdade uma avaliação pouco relevante. O livro de De Brosses é
dividido em três seções:
1)
Do fetichismo atual dos Negros e das outras
Nações Selvagens
2)
Fetichismos do Povos Antigos comparado ao dos
modernos.
3)
Exame das causas as quais se atribuem ao
fetichismo.
A primeira seção é pródiga na demonstração
de um exercício marginal de colonização. O artigo de Rogério Pires (2011)
atenta, por exemplo, às relações de contato colonial com os povos da Guiné –
século XV - como epicentro da gestação do fetiche como equívoco europeu de
classificação que gerou uma série de debates importantes a respeito da agência
dos objetos séculos adiante. Assim, o tráfico de ouro e escravos produz um
efeito marginal no qual viajantes produzem relatos em que figuram objetos sem
valor especificamente mercantil ou religioso, anda que objetos de culto. A
relação aqui é umbilical, entre as instituições de colonização e a
classificação destes objetos de feitiço, os fetiches. Ao mesmo tempo modelo
classificatório que enquadra o fetiche numa região de indiferença
classificatória em que a especificidade do objeto cede a uma imagem de uma
relação lógica, aí específica, de atribuição de valor indica ainda uma outra
forma de colonização: fenômenos preternaturais são colonizados pela
investigação moderna de novos níveis e escalas da vida natural, incluindo a
humana. Dito de outra forma, objetos dotados de agência propriamente regional
são alçados à ineficiência lógica de sistemas universais. O fenômenos
extraordinários que porventura pudessem ser conectados a um fetiche são, por
fim, um equívoco de observação que enquadra o mesmo extraordinário
(preternatural) em uma série temporal de eventos, ou demasiado curta ou
relacionando os entes equivocados.
A segunda seção exercita o desenvolvimento
conceitual que propõe para os objetos que servem de deuses fetiches segundo seu estágio e estado de arte. É quando a
pedra é mostrada em sua elementaridade e quando será possível recuperar o
aspecto em que dependendo da escala, sequer uma pedra é uma pedra. A terceira
seção, que é onde De Brosses formaliza seu modelo teórico, é onde encontramos
mais bem desenhado o problema geral do erro de atribuição retomando em novas
bases – o que implica em transformação – das formas clássicas de acusação, como
no caso das impressões de Lutero de quando foi à Roma. Afinal, são os deuses fetiches que estão em questão, e
não os meramente fetiches. Não mais falsa
adoração, mas verdadeira adoração de objetos falsos.
As seções do livro de De Brosses tem um
aspecto didático cuidadosamente respeitado. A cartografia conceitual sugere que
as religião das diversas Nações se dão no tempo e lugar que lhe são
característicos, sem perder a referência de que o centro geográfico e temporal está
aonde deve estar, isto é, onde a magia fora substituída por um diagnóstico
isento de superstição. Calar o supersticioso e produzir diagnósticos objetivos
meticulosos é o tipo de efeito que trabalhos como o de De Brosses buscam
produzir. Fundamental dizer que é exatamente por isso que o presidente do
parlamento da Burgúndia e membro da Academia de Artes de Ciências de Dijon
conduz seu argumento a partir do ambiente que cria, numa espécie de geografia
conceitual. O desenho produzido pelo argumento de Charles De Brosses participa
do esforço em circunscrever a variação espacial que compõe a diversidade de
Nações do novo mundo, cujo anteparo comparativo com relação à modernidade
nascente reproduz a querela dos Antigos com os Modernos – só que a história não
reside necessariamente no passado. Ela pode estar presente, viva em algum país
vizinho. A origem pode estar logo ao lado.
A história do progresso que produz uma
variação específica de diferença temporal incide nas linhas cartográficas que
leva das margens fugidias até os centros metropolitanos. Mas conduz igualmente a
especulação desde os centros até o perímetro da civilização caso estejam
dispostos a presenciar o passado em curso, ou mesmo se aproximar da origem. É
assim que vemos proposto o território da Nigrícia[3],
pays de noirs da África subsaariana,
como território de uma investigação que é, antes de mais nada conceitual. Este
que é um jogo proposto numa forma de zoneamento espaço-temporal é jogado antes
de mais nada a partir da equivalência entre o Egito e a mesma Nigrícia, ambos
zonas de atividade fetichista, o que conforma por fim uma primeira regra de
leitura.
Vale lembrar que o itinerário que estou
apresentando não pretende, e sequer poderia pretender ser suficiente para
compreender os desdobramentos que caracterizam o século XVIII europeu, nem no
que diz respeito à imaginação geográfica, e muito menos no que diz respeito à
formulação de diagnósticos relativos ao religioso. O que posso sugerir, e esta
é a razão pela qual persisto neste desvio, é que a discussão sobre o culto dos
deuses fetiches diz muito sobre como a acusação de heresia mitigada pela pelo
argumento libertino que reconduz em parte poderes de governo e diagnóstico, assim
como os crimes de idolatria e heresia são fundamentalmente transformados em
meio a consolidação da agenda Iluminista. Vale ressaltar que a figura de De
Brosses não é uma qualquer. Trata-se justamente de um libertino, grupo de poder
que atenta diretamente contra a ordem eclesiástica – o que não significa ver no
Iluminismo uma recusa radical da história providencial, por exemplo.
Quando lemos o Ciência Nova do filósofo napolitano vemos que uma de suas tarefas é
a de identificar e comprovar a maior antiguidade dentre os povos existentes, o
que confere maior autoridade às coisas ditas e registradas por estes povos
originários. Escrito em 1725, o tratado de Vico discute por via de uma tábua
cronológica comparativa (1999, 53-57), o tempo que julga a antiguidade das
nações que, dada sua proximidade com o começo dos tempos, portariam algum traço
adâmico mais evidente nutrido pela linguagem. Num sistema cuja datação começa
com o dilúvio universal, o povo hebreu é disposto antecedendo os egípcios. No
entanto, afora este mecanismo em que se estabelece a maior antiguidade,
encontramos algo mais:
“A
partir desse raciocínio sobre a vã opinião compartilhada de sua antiguidade,
essas nações gentílicas, e mais que todas os egípcios, devia começar todo o
conhecimento gentílico para saber com precisão este importante princípio: -
onde e quando principiou o mundo – e para auxiliar com razões também humanas
toda a crença cristã , que começa totalmente nisto: que o primeiro povo do
mundo foi hebreu, de quem foi príncipe Adão, criado pelo verdadeiro Deus com a
criação do mundo. E [disso resulta] que a primeira ciência que se deve aprender
é a mitologia, ou seja, a interpretação das fábulas (pois, como veremos todas
as histórias gentílicas possuem fabulosos princípios), e que as fábulas foram
as primeiras histórias das nações gentílicas. E com esse método [deve-se] descobrir
os princípios tanto das nações como das ciências, que saíram dessas nações, e
não de outra forma: como será demonstrado através de todas esta obra, que nas
públicas necessidades ou utilidades dos povos se iniciaram e que, mais tarde,
ao se aplicarem à reflexão, homens perspicazes e especiais se aperfeiçoaram. E
assim, pois, deve começar a história universal que todos os doutos dizem, falta
em seus princípios.”(1999:63)
O começo à forma da urspring aponta para a possibilidade de atribuir às metáforas um
modo algo onomatopeico da constituição fonética de base da linguagem humana. É
aí que pousa a hipótese de que a linguagem humana arbitrária pudesse ser
abandonada pela ideia de que é se trata de linguagem motivada pelos objetos aos
quais faz remissão, é adâmica, tal como no paralelo proposto no exemplo do
relâmpago. Seu som, imitado, seria algo como Ious!, cuja matriz serve de guia até a variação helênica de Zeus, assim como o privilégio dado ao
evento do raio seria antes em resposta ao medo e respeito provocados. Contudo,
a origem da linguagem não necessariamente remonta ao paraíso, porque paraíso
não é necessariamente um lugar, apesar dos esforços em colonizar Cocagne,
Preste João e El Dorado, e este é o limite do utópico. Todavia, Egito e
Nigrícia são, a sua forma, lugares. São territórios. São nações com regras
próprias. Por exemplo, tendem a se organizar na indiferença com relação ao
argumento teológico, argumento este tratado como equivalente ao que podemos
chamar de mitológico.
Se a mitologia é para Vico o bom começo de
tudo contrariando as personagens de Dialogues
concerning natural religion de David Hume, e ocupa por isso primazia na
orientação pedagógica dos mais moços, De Brosses e sua cartografia determina
que o começo é bem outra coisa e tende a se alinhar com Demea e Philo. Talvez,
exatamente por começar de um lugar ao comparar o antigo Egito com a Nigrícia
dos viajantes dos séculos XVII-XVIII a mitologia seja, para todos os efeitos o
território do non-sense das induções
lógicas selvagens, dos alienados na
analogia (Foucault, 2002:67). A metáfora que precipita o sentido se
transforma no figurino dos derradeiros
filósofos platônicos que reputam aos povos ignorantes de algum tipo de
conhecimento esotérico das causas ocultas da natureza. Além disso:
“(...) l’allegorie est un instrument universel
qui se prêt à tout. Le système du sens figuré une fois admis, on y voit
facilement tout ce que l’on veut comme dans les nuages: la matière n’est jamais
embarassante; il ne faut plus, que de l’esprit et de l’imagination: c’est un
vaste champ, fertile en explications, quelles que soient celles don on put
avoir besoin. Aussi l’usage du figurisme a-t-il paru si commode, que son
éternelle contradiction avec la Logique et les sens commun n’a pu encore lui
faire perdre aujourd’hui dans ce siècle de raisonnement le vieux crédit dont il
a jouï durant tant de siècles.” (1988:10)
Ainda que a contraposição entre os Antigos
e Modernos seja mais do que evidente, situar-me somente nela seria tão cômodo
quanto eu acredito que seria falso. Vico, posto diante de De Brosses está
nitidamente deslocado e este deslocamento é importante porque põe em pauta não
somente o que se poderia chamar de diversidade do conhecimento como também suas
condições de possibilidade. O peso dado às narrativas fabulosas, por exemplo, e
seu conteúdo narrativo é debatido enfaticamente, seja com vistas na negação de
seu valor heurístico – o que é feito enfaticamente por Descartes em seu Discurso do Método – ou, o contraponto
de Vico tem seu maior valor por entender que o conhecimento humano só é
aprimorado quando reconhece seu círculo auto-referencial, o que é próprio de
uma certa orientação humanista. No caso,
Charles De Brosses precisa de apenas uma página para afirmar que a mitologia é,
de forma geral um erro de atribuição.
Tanto enquanto expressão dos povos quanto no que diz respeito aos seus
estudiosos, estes que, no exemplo dos historiadores da Grécia Antiga não
parecem produzir nada senão erros de
tradução, erros que sobrecarregam expressões banais vindo a desvirtuar sua
utilização real.
De Brosses demonstra sua tese
imediatamente a partir da palavra mythos
que, segundo a demonstração é derivada do egípcio Muth. Esta conexão filológica indica que um mito é meramente o tipo
de história que se narra com relação aos mortos ilustres dado que muth significa, antes de tudo, morto.
“Ainsi la simple origine du terme Mythologie en donne à la fois la
véritable signification, montre sous quelle face la Mythologie doit être
considerée, et enseigne la meilleure méthode de l’expliquer. Les savantes
explications qu’ils nous ont données ne laissent presque plus rien à désirer,
tant sur le détail de l’application des fables aux évenéments réels de la vie
des personnages célèbres de l’antiquité profane, que sur l’interpretation des
termes, qui, réduisant pour l’ordinaire le récit à des faits tut simples, font
évanouir le faux merveilleux dont on s’étoit plu à le parler.”(op.cit.:11)
Há, portanto, um falso maravilhoso que por
ser o falso que é, deve ser posto sob controle – e o método tem o papel de
desvelar as condições de expressão do falso e, por fazê-lo, deve evidenciar o
método que não somente identifica falsificações mas também aponta o caminho, a
conduta que a razão privilegia – ou que, de outra forma, privilegia a razão.
Atento para a singularidade das opiniões
dogmáticas e para os ritos práticos dos primeiros povos
(op.cit.:11), De Brosses elege a teologia pagã do Sabeísmo[4]
como contraponto para o culto de certo objetos terrestres e materiais que, por
esta razão, ele batiza de fetichismo.
Interessa aqui saber quem são e o que fazem os fetichistas que, antes de mais
nada, são Negros Africanos, ainda que não o sejam exclusivamente.
Fetichista e fetiche é uma classificação
mais ou menos frouxa, como o binômio cultura
e civilização nos escritos de
Tylor. Diz respeito a toda e qualquer nação que presta culto a animais e
objetos divinizados; e mesmo que as divindades sejam menos que um Deus, guardam
a peculiaridade de traduzirem para a atribuição de valor a objetos como a forma
específica de atuação da religião em
geral dotada de certa estupidez supersticiosa, a forma fácil e equivocada
de se entender o mundo objetivo. Como cerco ao problema, a raça de
supersticiosos se encontra, num primeiro passo de apresentação, ou no passado
ou na África. Vale dizer que, quando africanos, o erro é cometido por toda a
Nigrícia. Quando são os modernos, os fetichistas, são este ou aquele sujeito
que produz equívoco. E isto não é um mero detalhe, mas sim parte estruturante
da gramática que confere, obviamente, ao esclarecimento uma via de escape em
meio ao entrave em questão.
[1] Com “fábula” procure retomar, de forma bastante uma
distinção já pouco usual em antropologia, proposta por Boris Tomachévski (1978)
que discrimina em qualquer narrativa um plano em que a trama se desenrola, e em
outro, no qual a fábula se dá. A trama é o plano em que a narrativa é
efetivamente expressa, respeitando não uma ordem lógica de encadeamento, mas
sua apresentação, permitindo recursos que sugerem suspense, reviravolta,
imprevisibilidade. A fábula dispõe ao analista a ordem lógico-moral da
narrativa, isto é, aquilo que aconteceu a despeito da ordem pela qual o evento
foi narrado. Este é, para todos os efeitos o nível no qual deve se deter o
analista, o critico. Este esquema pode, e deve sofrer uma objeção eficiente
dada sua rigidez. Uma outra objeção a ser feita diz respeito ao fato de que eu
me dedico a um texto analítico que, devido ao critério que apresenta, já atua
no plano da fábula das fábulas que ele mesmo analisa. Por outro lado devo
lembrar que estou me dedicando ao exercício de reconstituir a história de um
projeto moderno no qual a elaboração de critérios e conceitos constitui a sua
projeção lógico-moral que baliza a sujeição das narrativas bárbaras e antigas a
partir de critérios exclusivamente modernos. Ao chamar os critérios da
filologia mecânica de De Brosses de “fábula”, procuro criar artificialmente uma
forma de simetria provisória na qual seja possível entender o papel que o livro
˜Du culte des Dieux Fétiches”
desempenha em uma agenda que não lhe é exclusiva. O modelo de De Brosses
contém, e portanto transforma em fábula, uma história. No caso, uma história da
inteligência humana. Isto reproduz, obviamente um certro esquema que satiriza o
empreendimento moderno ao fazer coincidir como equivalentes a fábula e a
analítica. Mas o que continua precioso no modelo de Tomachévski é que nem a
trama e nem a fábula são mais reais, uma em relação a outra.
[3] Nigrícia é minha tradução fonética de Nigritie.
[4] O Sabeísmo é uma doutrina cuja fonte nos remete aos
documentos proféticos do Antigo Testamento, com referência especial ao livro de
Ezequiel. Diz respeito à conduta idólatra que compõe um cenário complexo de
várias formas de adoração falsa, como de homens divinizados, culto dos animais.
O caso do Sabeísmo, temos o sol como símbolo, referência e forma deificada. É
com referência ao livro de Ezequiel que é possível tramar em uma formulação
iluminista sobre fetichismo com a discussão ao redor da idolatria e seus
diversos problemas. Esta ordem teológica, transformada em teoria do
conhecimento moderna altera o estatuto daquilo que é falso compondo o mesmo
cenário relativo a sucessão de erros de atribuição para o qual tenho insistido
nesta seção.
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