sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
O Enteado
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
Pelo Ladrão, por isso, surrealismo
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Filosofia numa cacetada só (ou duas, vai), vol. 08
Com o canto dos lábios perto do nariz
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Jó segundo Eclesiastes
"O que você tem, eu não sei. Mas não é suficiente."
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Gárgula
torta e endurecida,
pelo tempo, morta.
Tão rija quanto o abraço
que não parte,
não toma forma,
e tampouco manifesta intenção.
O tempo fere a conta-gotas de uma tortura freqüente de um contador digital avesso à monotonia monitora do coração, de onde tudo vem, para onde tudo vai, à força de uma imposição.
E eu, guardião, sentado ao lado,
curvado e
desde sempre.
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Hybris y Fontenelle
A ilustração de Fontenelle da pluralidade dos mundos, na verdade uma das várias alternativas que ele mesmo propôs, é como que um parque de diversões ou, mais simplesmente, uma caixa de areia para brincar de muitas coisas. A primeira que me vem a mente é que as órbitas circulares indicam o movimento em torno dos astros maiores e que, misteriosamente a força centrífuga não é suficiente para repelir os astros menores com o ímpeto do estalo. Os infinitamente menores estão presos, não podem rodar. Os infinitamente maiores giram em outra escala dentro da qual o círculo de Fontenelle se dá. Resta saber qual a plasticidade necessária para um corpo celeste poder singrar sem captura de escala alguma. Em outras palavras, qual tamanho eu precisaria ter para ser expulso da órbita terrestre?
Ser repelido seria, então ação da arrogância? Esta é uma pergunta de mecânica clássica?
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
"Apwonyko pwol"
Fustigar o aço com dedos dormentes.
Tentar dois dedos de doce de leite.
Mover os ossos, virar o quadro.
Como nada disso adianta,
vale o detalhe distraído
o estouro dos dentes num sorriso colorido
pela faixa de cores que não vai muito além do amarelo,
e arrematar o desleixo de tudo isso,
todos os detalhes impossíveis,
e fazê-los dançar na mesma pirotecnia de sempre,
a mesma que explode em fogos empíreos,
- fugados os deuses –
movendo as sombras no frenesi possessivo das valsas do Ghondar;
O caminho da força está em ser cavalo
Sem virar eqüino.
Mas detesto o toque do tambor;
tourou et biti,
vou ficar fora da cena.
sábado, 1 de outubro de 2011
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
Para dizer que me lembro, e como
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Volksgeist como método e ética
Vai entender; ou, aí tem história. Com ênfase.
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Die deutsche ethnographie Amazonienforschung
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Até lá (so long);
E então vejo que estamos acostumados a pedir o que queremos. Pedimos como num oratório, mas o fazemos a pessoas que andam de carro, comem comida e estão afastados de nós a meia dúzia de paredes e duas dúzias de seguranças. Tratamos impostos como oferendas e pedimos que o mesmo jogo, o do retorno providencial seja cumprido e, neste ínterim, me pergunto: e se anularmos o atravessador, especialmente quando for conveniente?
Não há dúvida de que, não importando o gestor do Estado, a manutenção e aprimoramento da educação pública não deixarão de ser mero instrumento de alegação de apoio. Há muito tempo que o tempo e o espaço da conversa, da leitura dedicada e da atenção aos pormenores deixaram de ter importância no espaço público, vindo a ser praticados somente em reuniões mais ou menos secretas e por amadores. Tampouco é um fato escandaloso que seja assim, pois fazê-lo é verdadeiramente a prática da exceção. As instituições políticas não suportam esse tipo de atividade por muito tempo. Não há razão para susto quando vemos que o que ouvimos em uma campanha eleitoral, especialmente no que diz respeito à política salarial de professores, vem a ser descumprido. É função da campanha eleitoral mentir, especialmente para os grupos sociais mais frágeis e com menor pode de mobilização e impacto. Todavia, se a raiva me tinge o rosto, ao mesmo tempo é difícil dar as mãos com os meramente descontentes.
Lembro muito bem quem foram os primeiros colegas que decidiram pela licenciatura. Dos tardios, aqueles que se viram na sinuca de bico da necessidade de uma profissão em um mundo que detesta o exercício das humanidades – mundo talvez seja algo grave, mas certamente serve quando a escala é “país”; o resto é excesso hermenêutico -, ou seja, os que precisavam de emprego após a formatura, entendo e apóio o fluxo. Mas vejo igualmente o conluio de sanguessugas que, não suficiente terem aderido à preguiça que empola o pensamento humanístico desde a graduação, adentram no universo escolar com a única e exclusiva orientação de seguir carreira. Desisti imediatamente do magistério quando percebi que todos os meus colegas de graduação, aqueles que se dedicavam ao estorvo da vida de estudos e pesquisa mais aguerrida, se transformaram em professores e, em pouquíssimo tempo, administradores escolares. Tanto públicos quanto particulares especializaram-se em promover a miséria humana. Joguei a toalha, desisti sem sequer começar.
De repente vejo que tenho que assumir uma postura estranha, a mesma que me obrigaram a tomar de quando das últimas eleições: Serra ou Dilma? Na verdade, Serra ou Lula. Nunca considerei válida a escolha. Por um lado, ouvia a insânia da acusação do analfabetismo de Lula como razões para desmandos, muitas das vezes repetidos no fosso do governo de FHC, esquecendo que uma vez elevado a governo a alternativa é entre “medíocre” e “catastrófico”. Por outro lado, a acusação da cruzada conservadora e reacionária por via do governo Serra, o mesmo Serra que, tal qual FHC, era acusado de comunismo por toda uma ala igualmente descontente. É neste telefone-sem-fio que é a acusação pública que eu prefiro jogar a toalha e dizer: o que dispunha nas eleições não era de escolha, mas de resignação.
Da forma mais perversa que posso conceber, começamos a digerir algo que nos obrigaram a engolir. A idéia de que a atividade democrática opera por via do voto. Votar, ok. Sufrágio universal, aceito. A perversidade não está aí. O perverso está em transformar no necessário em suficiente. Se o sufrágio universal é condição necessária para o desenvolvimento de uma certa noção de democracia – diria noção incerta de democracia, mas seria acusado de obscurantismo; mais uma vez -, ao mesmo tempo está longe de ser um fator suficiente. E este é o ponto. Quando a dimensão da alternativa política se resume em quem eu posso votar, então fica mais visível dizer absurdos como “A CULPA É DO SISTEMA”. À Luhmann, diria que sofremos de legitimação pelo procedimento. Assim como é inaceitável ter passado pela última eleição como um eleitor satisfeito, e não como cidadão pleno que vê como ação legítima recusar os candidatos que os partidos eleitorais fornecem em suas listas, é inaceitável entender que no braço de ferro entre professores e governo, eu devo torcer de forma explícita por um dos lados. “Mas aí, você enfraquece o movimento.” Qual movimento? Não há movimento. Há queixa protocolada.
Movimento seria um processo de demissão em massa. Seria a abertura de escolas comunitárias que, por oferecer educação gratuita lutariam por isenção fiscal parcial para a lista de colaboradores. Movimento seria recusar o tempo estrutural do Estado com vistas em um tempo relativo à vida de quem a vive, estabelecendo diretrizes imediatas à prática pedagógica. Movimento seria tomar as rédeas dos poderes que temos e reorganizar as coisas com coragem suficiente para mudar de jogo, assumindo o risco de que podemos – ou de que será possível – perder e, talvez, fazer o que for contando com isto, a parte maldita, a perda.
Assim posto, o que posso dizer é: até lá.
domingo, 21 de agosto de 2011
Antropometria para Falcão Klein
Da Civilidade Pueril
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
terça-feira, 2 de agosto de 2011
(ENQUANTO ISSO, na Liga da Justiça...)
... pois, que se espere o reino após o Juízo
Final, ou a acensão das classes populares
após a Revolução; ou a nova crítica que segue do cinismo da erado fim das outras coisas;
é assim, feito o fenomenólogo da Floresta Negra -demiurgo da consciência -,
enquanto isso, isto.
Os super-heróis se movem no movimento do movimento.
sexta-feira, 29 de julho de 2011
Dois poloneses soltos no mundo
Ando me dedicando aos trobriandeses. E um bocado. Não aos que, hoje, estariam reclamando sua posição geográfica aliada a alguma forma de identidade social, cultural, ontológica, etológica - ou simplesmente, sua sobrevivência econômica. É uma dedicação trobriandesa àquele que, de alguma forma inventou esse negócio canônico de dizer sobre os outros povos na forma de “juntos somos um” sistematicamente. O sistema, os massim das ilhas trobriand, os que fazem kula, as personagens de Bronislaw Kasper Malinowski, cânone da variação etnográfica do relato. Este sujeito faz, via de regra, um par imperfeito da prosa polonesa com Józef Teodor Nalecz Korzeniowski. Ambos migrados, envoltos na figuração mezzo britânica, mezzo alienígena das formas abruptas do mar, ruminaram um inglês lento e cuidadoso, que trabalha numa crescente própria à inconstância marinha, esta alma selvagem ou, no mínimo, pagã, o que dá no mesmo. Ou quase. Desconfio, porém, que as semelhanças cessem por aí. Afinal, entre marinheiros mercantes e matemáticos há um mar. E não necessariamente o pacífico. Explico.
Ainda que seja incontestavelmente mais conhecido como antropólogo, campo no qual de fato se destacou, Malinowski fora matemático, como os interessados bem sabem, e que num surto de mal-estares fortes, foi internado em hospital e, assim, dedicou-se ao livro infinito de James George Frazer, The Goulden Bough. Foi sua segunda febre, fazendo do mesmo Frazer prefacioador de sua obra maior. A despeito das viagens e territórios inóspitos, da profunda absorção da camaradagem entre viajantes que só tem a relação entre-si – ao menos até o primeiro assassinato, fuga ou ato de espionagem; e nisso, Malinowski é o espião; mas o ponto central é, a despeito de todas as semelhanças entre um e outro polonês, eu nunca sonharia com Korzienowski. Já com Malinowski...
Pois foi em um salão universitário que balbuciava à congresso científico, movimento e pessoas passando. E o sujeito estava lá, o espião da Coroa em plena Melanésia, no meio da sala. Reconheci pelos óculos, os mesmos estampados na capa da edição brasileira de Os argonautas do pacífico ocidental, ainda adornada pela curva oblíqua que sua cabeça fazia, acrescentada somente de restos brancos de cabelo e numerosas rugas e manchas de sol – quando não, quase melanomas. O terno azul marinho não combinava com a minha memória em preto e branco, típica de quem tem a memória mediada por cristais de prata muito velhos. Azul marinho, e uma camisa branca acompanhada por um sorriso franco, fácil e branco à prova do tempo. E, não sei como, nem porquê, veio falar comigo, o brasileiro, sobre sua última descoberta, que estava enveredando para uma nova frente, e que pensava que a etnologia americana era farta, fértil, e que estava muito entusiasmado com O índio no mundo dos brancos de Roberto Cardoso de Oliveira. Sorri feliz porque vi. Era a mesma edição que disponho em minha biblioteca e, como Malinowski, sempre pensei que ali tem algo a mais, a despeito da simplicidade do argumento. Taí o velho polaco que não me deixa mentir. Ali, tem.
Imagino que, se for um leitor atento, terá percebido que isso em nada tem a ver com os dois poloneses, que falta amarrar este pequeno vôo (na verdade um salto). Confesso, então, que Korzeniovski, também conhecido como Conrad, Joseph Conrad, era só um pretexto. Mas, convenhamos. É Joseph Conrad, é um baita pretexto. Ou então Malinowski é seu secret sharer que, a despeito de tudo e da possível semelhança, fugiu da mesma forma que veio: ilegal e nu.
terça-feira, 26 de julho de 2011
Pro Zé Antônio, meu comuna preferido
É que, na verdade, nunca entendi porque é que alguém leria um romance engraçado. Aviário foi um dos primeiros a sugerir, com ênfase adequada, que poderia ser bom. Mas nunca levei a graça a sério. Não em romances. Pensava ser este o reduto das formas breves. Mas, enfim, tinha que ler algo engraçado, dado que é imperativo vender quando se é comerciante. E, no meio da enorme e vasta fauna afetiva que órbita pela livraria Berinjela até hoje, havia uma doce figura que destilava uma erudição literária monumental suficiente para calar o mais falante dos poetas, o mais matreiro dos jornalistas. Passeava com gosto e saliva por Homero, Virginia Woolf, Muriel Spark, Machado de Assis, Conrad, Roth, Euclides da Cunha, Safo, Proust, Joyce, Mirisola, como se não houvesse desnível que sua memória e prazer prodigiosos não superassem. E se eu precisava ler algo engraçado, um romance engraçado, mas respeitável – afinal, é perigoso vender livros na Berinjela -, perguntaria a Zé Antônio. O que ler, Zé? E nunca esqueci a brochada-mor em Israel que me fez gargalhar às 2 da madrugada, fazendo acordar minha esposa que dormia em um dos 4 cantos possíveis do apartamento quarta-sala que alugávamos na Praça Sarah Kubitchek, em Copacabana. Mas na mesma dica, veio a cautela. “Se vai levar esse Roth, leva um outro. Este é engraçado, mas é neste outro que a coisa acontece.”
“Mesmo, Zé? Então vou levar.”
O exemplar que ora leio de Teatro de Sabbath é o mesmo que Zé Antônio me passou em mãos, como se o vendedor fosse ele, o que me faz lembrar que cada página que leio, é uma página que foi um pouco dele. E isto é bom, porque ele fica. Mas há algo que dói demais, agora. É que cada página que eu vier a escrever, por uma razão ou por outra, é uma página a menos que ele lerá. Se há algo na morte dele que é imperdoável é o fato de eu não ter sido um redator veloz o suficiente para arrancar dele, ao menos uma vez, o sorriso de quem saboreou o prato e pôde desenhar no gesto a mais meritória das aprovações, sempre arte-finalizada com o mesmo nanquim verbal:
“Gênio.”
sábado, 23 de julho de 2011
Freakin´ jester ghost
É nestas horas é que tenho medo de fantasmas.
sexta-feira, 1 de julho de 2011
Flutuação, inércia e atrito zero: em quê concorda o dissenso
segunda-feira, 27 de junho de 2011
Os que estão para morrer
Recentemente. Há quem diga que há uma injustiça em curso. E que mesmo o espiritismo que rejuvenesce os cofres cinematográficos e reconstituem a pauta, meio desmilingüida da caridade, se esforça por manter subterrâneo, a sorte de ostracismo dos mortos da pátria. Ainda que sejamos inculcados por uma forma peculiar de imaginação perversa, como a verve anarquista de antropólogos de agora fazem por bem, e por vezes, ressaltar, imaginamos os mortos vivendo a boa vida. Isso acalma. Nem sempre isso é bom. Afinal, há aqueles para quem a morte implica em outra coisa e, mais, em quase nada.
Há quem me fale de Macabéia, de A hora da estrela. Há quem diga ser condição mais geral, abrangente e ofensiva. No diário de Lúcio Cardoso, em 14 de agosto de 1949, lemos: Na expectativa do trabalho. Numa tranqüila manhã (odeio essas inversões que adjetivam o substantivo; não vejo, salvo exceção, quando é que a tranqüilidade é sobredeterminante quando o ponto versa sobre marcadores temporais), de sol violento e frio, regressando da missa numa pequena capela erguida num outeiro sobre o mar – o poder, a verdade dessa vista de cartão-postal! – reparo as pessoas que passam em roupas de banho e trajes esportivos, ávidas de gozarem a delícia da manhã. E é estranho constatar como parecem deslocadas na harmonia do ambiente, muito gordas ou muito magras, com roupas exóticas e evidentemente mal-feitas. A tristeza, a miséria da carne humana é tão visível, que chega a me causar uma espécie de mal-estar. Na radiosa manhã são quilos e quilos de ambições e sonhos frustrados, de matéria sequiosa queimada pelos desejos mais disparatados, pela gula e pelo egoísmo, que se arroja cega pelas estradas, em automóveis, carroças e bicicletas, tudo enfim o que mais confortavelmente pode transportar essa massa condenada em sua sôfrega busca de esquecimento.
A carne quantificada caminha objetivamente. A paisagem é mais generosa que o cenário triste e rame-rame da odisséia pobre de Macabéia. Na verdade, é mais generosa porque é uma paisagem, e já não há drama e sim uma marcha, como a que encaminha a vaca para o brejo. O cartão postal, todavia, não é decadente. Disto implicaria um juízo moral que, ainda que apareça, não é a fonte do juízo mesmo. O que desenha a figura é a carne que busca o esquecimento – cuja fonte e direção não se dizem. Ser esquecido ou esquecer, neste caso, indifere. Dá no mesmo. O sentido providencial da sentença rumina o mesmo rumo que Lawrence Ferlighetti dá em seu The Old Italians Dying que por anos têm morrido por toda a América. Por anos os italianos velhos vêm tomando sol e morrendo, dia a dia. They are almost gone, now/They are sitting and waiting their turn and sunning themselves in front of the church/ over the doors of which is inscribed/ a phrase which would seem to be unfinished/ form Dante´s paradise/ about the glory of the One/ who moves everything…/ The old men are waiting/ for it to be finished/ for their sentence on earth/ to be finished(…). Ainda que pese o peso da espera, há na velhice marcada pela imobilidade da paisagem na qual lhes resta a marca de amantes – de Mussolini e Garibaldi – e sua forma essencial do odor – alho e pepperoni, ambos exalados por bocas dentadas em cor-de-milho -, com os olhos cotornados por sombrancelhas selvagens; há na velhice a forma chave de petrificação pela autoconsciênscia de que o tempo, este já se foi, e que estamos em tempo de partir com ele. E não estou falando de uma viagem qualquer. E tornar-se quase-pedra antecede o momento de dissolução pelo fim, que é o mesmo que finalidade, cuja marcha está precisamente marcada pela pequena turba do cartão-postal, o outro, à beira da praia no diário de Lúcio Cardoso, de quem diariamente nos esquecemos. Como fazemos com todos e tudo, afinal.
O outro mundo é aqui. Mas daqui a pouco.
sexta-feira, 24 de junho de 2011
01 ao pé da página
quinta-feira, 23 de junho de 2011
Meu Avô
Mas eu passei muito tempo ligado em televisão, de mil e uma formas e, ainda há pouco, percebi que estive na boa companhia de um velho durão, mas gentil nas horas e formas mais adequadas, e que me convenceu que há variedade do lado de lá. Este, por fim, faz quadro a quadro a coletânea de todos os sexagenários que me deram as mãos em momentos descolados entre si, e que só tem em comum a minha memória. Assisti a Gran Torino e vi que Clint Eastwood é o avô que eu não tive. Não Clint, mas nos quadros em que aparece, aos poucos, como Walt Kowalski et al. As lágrimas que não perdi até então com a velhice viril dos avôs que mal tive devem rolar em pouco, me diminuindo o volume e me fazendo, um pouco menor, um pouco mais velho.
terça-feira, 14 de junho de 2011
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Proto-história positiva de umas coisas aí.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Via de mão única
retirado de "A Noite dos Proletários - arquivo do sonho operário", de Jacques Ranciére, no capítulo em que disserta sobre a descoberta da leitura por quem não deveria, ou não poderia, por via de embrulhos de jornais (Goscinny & Uderzo escreveram que os peixeiros foram os primeiros advinhos ao lerem, não nas tripas, mas nas embalagens de jornal, as novas do cosmos) ou maiêuticas de mão única.
Com a mãe.
"Carta de minha Mãe./quando já nenhum Proust sabe mais enredos,/ a sua letra vem/ a tremer-lhe nos dedos.// - "Filho".../ E o que a seguir se lê/ É de tal pureza e de tal brilho,/ que até da minha escuridão se vê."
terça-feira, 31 de maio de 2011
Direitos Autorais e Reserva Criativa em Debate
Dos diversos graus em que é possível praticar a falsificação da própria presença, a hipocrisia atinge novos planos quando o ilusionismo participa do evento. Imitar a voz, convidar o resto da banda e fazer as vezes do original até ser tarde demais. Veremos, surpresos, Crosby, Nash & Young cantando Miley Cyrus e seu clássico Party in the USA.
http://stereogum.com/714621/crosby-nash-young-jimmy-fallon-cover-party-in-the-usa/video/
domingo, 29 de maio de 2011
“Você tá péssimo.”
“Olha. O que eu vim dizer é que, o que eu quero deixar claro é que... bom. Eu estou partindo de vez. E não me olhe assim, não é isso que você entendeu. Estou partindo de vez, mas estou mesmo é me desfazendo, sabe? Quebrando aos poucos, digo, decantando. Estou a alguns dias de ser um poema de Augusto dos Anjos.”
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Autobiografia como contorcionismo
Menos que um def-ghi
O narrador que, já tendo retornado de forma a marcar o momento no qual a prosa é destilada, encaminha o encerramento já sob o efeito das notícias do fim dos índios que lhe fizeram def-ghi e que, numa só palavra lhe forneceram um relato inteiro. E então, após já dar sinais desse juízo por antecipação, arremata: “Como eles eram o único sustentáculo do exterior, o exterior desaparecia com eles, apartado, pela destruição daquilo que o concebia, na inexistência. O que os soldados que os assassinavam nunca poderiam chegar a compreender era que, ao mesmo tempo que suas vítimas, também eles abandonavam este mundo. Pode-se dizer que, desde que os índios foram destruídos, o universo inteiro ficou derivando no nada. Se esse universo tão pouco seguro tinha, para existir, algum fundamento, esse fundamento era, justamente os índios, que, entre tanta incerteza, eram o que se assemelhava mais ao certo.(...) O céu vasto não os cobria, mas contrariamente, dependia deles para poder desdobrar, sobre essa terra nua, sua firmeza raiada.” .
Igualmente def-ghi, em uma situação em que a extensão do cosmos é o da intimidade, o que explode um no outro, Karen Blixen abre seu jogo, o tabuleiro povoado de acácias de sua Fazenda Africana dizendo, mais à forma de uma administradora, exatamente algo que coincide: “Em geral, eu e Nairóbi mantivemos excelentes relações e, certa vez, ao atravessar de carro a cidade, não pude deixar de pensar: Sem as ruas de Nairóbi, o mundo não estaria completo”.
terça-feira, 10 de maio de 2011
Pergunte ao Melanésio II
Como é de conhecimento comum do antropólogo descolado – e aí, vai procurar por aí um antropólogo descolado que tenha, de fato lido Os Argonautas do Pacífico Ocidental ou monografia de peso semelhante -, Malinowski dedicou-se em descrever o sistema do Kula por via dos trajetos de navegação, assim como a vida das wagas, as canoas utilizadas para a navegação no arquipélogo Trobirand e adjacências. O kula, na visão de Malinowski é sinônimo de cultura massim, e por via dele são movimentados os fundamentos da economia nativa, entendendo então que é nele que a vida social circula e o código cultural mais específico se exprime. O kula é caracterizado por um sistema complexo, porque extenso de honrarias que não vou me deter em descrever. Malinowski o fez melhor. E depois Annette Weiner. E depois Marilyn Strathern – muita gente. Tô fora. Detesto aglomeração. Mas há, lá pelas páginas quase 200, um parágrafo bacana que é daqueles que confundem o setor das analogias plásticas universais. Malinowski disserta sobre eventos sobrenaturais que podem impedir uma expedição do kula:
“De todas as crenças, a mais notável é a de que há no mar enormes pedras vivas, as quais ficam à espera das canoas, correm atrás delas e, saltando, redusem-nas a pedaços. Sempre que os nativos têm razões para temê-las, todos os membros da tripulação se conservam em silêncio, pois que as risadas e a conversa em voz alta atraem as pedras. Às vezes elas podem ser vistas à distância, saltando para fora da água ou movendo-se sobre o mar. Com efeito, foram apontadas para mim quando deixamos Koyatabu(1), e, embora eu não visse coisa nenhuma, os nativos, é claro, genuinamente acreditavam tê-las visto. De uma coisa, no entanto, estou certo: a muitas milhas em nosso redor não havia sequer um recife aflorar nas águas. Os nativos também sabem muito bem que essas pedras vivas são diferentes dos recifes e dos baixios, pois que elas se movem e ao avistarem uma canoa, passam a persegui-la, estraçalham-na de propósito e esmagam a tripulação. Esses hábeis pescadores também jamais poderiam confundir um peixe voador com qualqur outra coisa, embora ao falar das pedras eles com freqüência as comparem aos golfinhos saltadores ou às arraias de ferrão”. (edição Os Pensadores de 1978, página 180)
No caso, e estritamente no caso melanésio, parece que se há um imaginário a ser considerado, o mesmo tem vetor. Isto porque uma pedra saltadora pode se assemelhar com um golfinho ou com uma arraia, mas o contrário não pode ser verdade pois, se assim fosse, os trobriandeses pescariam pedras, o que seria ridículo. Sem saída, pergunto:
(1) Sim, a palavra tabu é melanésia. Koyatabu é “montanha proibida”, um endereço da expedição do kula que Malinowski descreve, ainda que à sua forma polaco-escocesa. Tem um traço de Sterne nessa história aí.
quinta-feira, 5 de maio de 2011
Prosa como Fogo Amigo
Meu amigo é muito bem provido de prosa. E fez um exercício bacana de hipnose em que procura se induzir, sair de si à francesa, como diz o próprio título de algo que ele escreveu. Diz quem “você é” em relação ao ofício que ele mesmo – você, meu caro AMPereira – produz. Veja só que engraçado. Basta mudar o pronome, mover os períodos em seu favor para que a prosa assuma ares de hipnose. Meu amigo é muito bem provido de prosa. Ele gosta de Oulipo. Ele faz voleios com Perec na cabeça e, não por acaso, é um homem que dorme. E por isso, fortemente deslocado. Deslocado? Leia você mesmo.
“É um momento de pequeno horror, você sabe que as frases não são suas, mas você não sabe de quem são, e afinal você também duvida, pode ser que sejam suas mesmo, um artifício de combinatória qualquer que você ignora e, de repente, elas saltam aos olhos porque fazem sentido, porque lhe dizem que tudo que você pensa é usado e de segunda mão, tudo que você vive é mais ou menos caótico, mais ou menos obscuro – e, no entanto, digamos, tudo bem, lá vai você escrevendo a vida de um Autor que você admira e, afinal de contas, de onde vem a admiração senão de um momento de clareza fugaz mas ainda vívido na memória no qual, ao ler, você percebe uma zona de obscuridade em si mesmo, descobre que sabia algo que efetivamente não sabe, mas não importa, pois naquele momento você não se envergonha, você não sabe e nisso, sim, você se dilui, igual a todos e capaz de se esquecer de si mesmo por esse momento que seja, pelo menos.”
Quero perguntar muitas coisas para responder logo em seguida. Isso porque as perguntas são retóricas e, mais, porque quero dizer algumas coisas para AMPereira, meu amigo. Quero perguntar se o pequeno horror serve como versão masturbatória da petite mort francesa, que não deixa de ser uma forma de sair de si. Isso porque o conteúdo seminal da obra ainda lhe vem como pertencimento que qualquer teste de DNA repete como assombração. É esta zona que faz com que sair de si tenha como garantia que é possível voltar à morada que é, por fim, inescapável ainda que renegada. É por isso que seu ensaio é, antes que uma confissão, um show de hipnose solo; e é por isso que eu escrever “você” aqui é tão diferente de você ter escrito “você”, lá. Esta é uma epístola; aquilo é um exercício de espelhamento, com relógio do avô em pêndulo.
Seu ensaio, meu amigo, diz respeito a sair de si para fazer o exercício básico da biografia como atividade de pesquisa e, mais, de prosa. O ensaio de meu amigo é um parêntese em sua vida como biógrafo de Juan José Saer, escritor cheio de vozes e que, ainda assim, não me vem tão bem. Mas por isso mesmo, li. Nadie, nada, nunca, em português, traduzido pelo mentor de outros tempos do meu amigo. Mas decidi seguir até o entenado, também sugerido pelo meu amigo Adevogado, porque sou antropólogo, e os antropólogos gostam de ler coisas de gente sozinha com índios. Ainda que seja muito falsa a afirmação, e ainda que os antropólogos, em geral sejam lesmas preguiçosas com a atividade da leitura, li. E no exercício de ler O Enteado, traduzido por José Feres Sabino, encontrei meu amigo AMPereira dando uma banda nos trópicos. Saca só:
“Nunca se sabe quando se nasce: o parto é uma simples convenção. Muitos morrem sem terem nascido; outros nascem apenas, outros mal nascem, como abortados. Alguns, por nascimentos sucessivos, vão passando de vida em vida, e se a morte não viesse interrompê-los, seriam capazes de esgotar o ramalhete de mundos possíveis à força de nascer uma vez após outra, como se possuíssem uma reserva inesgotável de inocência e abandono. Enteado também, eu nascia sem saber, e, como menino que sai, ensangüentado e atônito, dessa noite escura que é o ventre de sua mãe, não podia fazer outra coisa que começar a chorar. Do outro lado das árvores, vinha-me, constante, o rumor das vozes rápidas e estridentes e o odor matricial desse rio desmesurado, até que por fim adormeci” (na edição da Iluminuras de 2002; pg. 41)
Adormeceu, AM? O exercício lhe permitiu pegar no sono? Porque, ainda que cansativo esta voga de encontrar zonas obscurecidas em si mesmo, e ainda mais, deixar-se diluir, e se deslocar como só a água faz por frestas no chão da vila onde residiam os poemas de Herberto Helder; ainda que cansativo, não costuma deixar ninguém dormir. Você conseguiu dormir, meu amigo? O sono lhe fez bem? Você se esqueceu de si mesmo? A hipnose aconteceu e esta seria a razão de ela lhe ser desejável? Moveste-te de ti?
Encontrar com os índios, me parece, é exercício diferente. Não buscando a si mesmo, nem esquecendo de nada, ser enteado, ou seja, no seio alheio é, mais que tudo, ver o que não se pode esquecer. Há quem diga, e o nome de quem diz é pouco popular, que a diferença só é importante quando ou beira o insupotável, ou é insuperável. Como quando, por exemplo, vemos a carne de nossos amigos ser devorada, assada por uma tribo de velhos imberbes e jovens sedentos e, por alguma razão vemos nossa carne sendo poupada enquanto ouvimos Def-ghi. Sua carne foi poupada, não, meu amigo? A minha, até então, foi.
E por alguma razão, no exercício do meu amigo, esquecer de si é algo diferente de esquecer de mim. É porque, e meu amigo sabe disso, não importando como, não é possível que eu me esqueça de mim, entendendo que qualquer um possa dizê-lo ("eu me esqueço de mim"); não sou eu falando, mas alguém que pode falar em nome de "eu". Meu amigo, enquanto eu se esqueceu dele; deu um jeito de declarar que "eu me esqueci dele" - dele quem? - "eu". Daí a hipnose. Daí o deslocamento. Daí o sono induzido. E houve de acordar.
“Todos estavam ali e eram, aparentemente, reais: os assadores tranqüilos e experientes, a multidão, a qual algo intenso e sem nome consumia por dentro como o fogo a lenha, e , envolvendo-os, embaixo, em cima, em torno, a terra arenosa, as árvores que nenhuma brisa balançava e de onde os pássaros, como vôos imotivados e súbitos, entravam e saíam, o céu azul, sem uma só nuvem, o grande rio que tremeluzia e, sobretudo, subindo , lento, já quase no zênite, o sol árido, chamejante, do qual parecia que essas fogueiras que ardiam ali embaixo não erma mais que fragmentos perdidos e passageiros. Terra, céu vazio, carne degradada e delírio, com o sol em cima, passando, desdenhoso e periódico, pelos séculos dos séculos: assim se apresentava, essa manhã, ante meus olhos recém-nascidos, a realidade.” (idem.; pg. 51)
Percebeu que comecei a falar de nós, e não mais de você, meu amigo? Nos encontramos sem que eu tivesse que me mover de mim, porque não sei nada dos truques de hipnose. É assim que se sai de um sono de se esquecer de si?
Acho que é hora de revelar que, sim. Pode ter sido eu. Posso ter devorado uma ou duas panturrilhas de seus companheiros de viagem.
E daí que eu li sua forma clara e límpida de não ensinar nada em outro ensaio – sendo os ensaios a forma maior de elogio dos canibais. E li que correu atrás de você mesmo. Parece que no sono, e ao acordar, ficou ainda mais difícil. Efeito delicado este, o de esquecer-se de si e ver que, nisto, deu vontade de correr atrás de você. Parece que você faz falta.
Eu? Sair de mim? Não. Prefiro sair dali. E aí, elogio o nomadismo pela enésima vez nesta vida.
quinta-feira, 21 de abril de 2011
Germano Gemelo
dado que no sé lo que hacer con él.
Porque resido como algo así
ni tanto, ni tan poco.
Tampoco soy célula firme
aunque definida
híbrida.
Fuera yo hecho para un tiempo ambiguo
Que no sabe seguro lo que eres o lo que quieres
y se lo sabe, lo dice al decir
“por lo menos
Dos”, que a todo íntegro divide.
Así puedo decir para donde voy sin necesidad de decirte para donde was!
quinta-feira, 7 de abril de 2011
Minhas Cosmicômicas Parte 2
Obviamente que os sentidos de universo, informação e forma tem um peso particular nas passagens que Bateson de fato faz menção. E seriam termos vazios se não tivessem apontado os meios pelos quais o escopo da totalidade, ou a parte que o todo compõe de forma que estejamos falando de uma pesquisa possível, um ponto de partida que coadune empiria e um princípio teórico em uma das ciências da vida: a antropologia. Ora, é na introdução do livrinho que urge ser traduzido que lemos, e aqui eu traduzo, o seguinte:
“A ênfase está nas mediações e nos mediadores (ainda que distinga seus modos de planejamento dos de apresentação), embora a informação nunca seja simplesmente transferida, uma vez que paga pelo seu transporte com um pesado imposto em transformações, mesmo quando mantém uma constante no caso das ciências em ação.”
No que pesa na dimensão crucial da correspondência como conceito de harmonia, que encontra um eco na poesia simbolista nunca investigado com ênfase, a primeira anotação a ser inscrita é que os mediadores, ou a mediação são/é a correspondência entre mensagem e referência. Dito isto, mantenho alguma distância, pois o que é alvo primário de preocupação é a noção de que “o universo é informado pela mensagem” no qual a informação e conhecimento têm estabelecido a seguinte relação: conhecimento é a informação que ocorre quando a informação tem como correspondência, entre mensagem e referente, a referência e o contexto no qual ambos operam correspondentes, ou em correspondência. Em outras palavras, num conversê cibernético em que constem os termos de retroalimentação e estocase. E aqui a cibernética começa a oferecer as bases da explicação. É o que afirma Bateson, meu primeiro passo para chegar até Charles Beaudelaire.
(acuma?)
terça-feira, 5 de abril de 2011
Parte 1 de minhas Cosmicômicas
sábado, 12 de março de 2011
Silogismo da Revolução ou o drama burguês
Therefore, we don´t like the king.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Ficção ilegal sobre a Sigla do Arco-Íris
Gosto de pensar no casamento. Até porque, sói aos casados. Mas não assim. Penso na diligência diante do erro e das coisas que se pode fazer quando da contingência – e como há coisas demais a reconhecer. Pense-se em algo a recriminar. Algo a aprovar. Daí, ao constituir o crime e a boa conduta, fazê-la valer como ordem. Nada mais impossível do que isto em tempos de então, essa onda que não passa. Vale adiantar essa conversa, pois tem a vê, embora eu não saiba como, com o reductio ad absurdum do nacionalismo, esta forma de confundir mapa e território.
Então seguimos com a forma. Há criminosos. Há os de-bem. Não basta, e não se vive assim, não mais. Há o permitido, há o proibido e há a reserva. E aí, assim como houve de eu escrever sobre os pepinos, há a reserva. E nisto, começo a revelar que esta mensagem é uma confissão.
Não sou homossexual, ergo não apoio o modo de vida. Apoiasse, praticaria.
Entendamos esta afirmação.
Não quero viver com intimidade demais. Exijo certa distância e trato formal, na maior parte dos casos. Vivo por via dos graus de separação e entendo isso como atividade de guerrilha. O casamento em que me entendo é assim, uma marcação de distância ainda na intimidade. Há coisas que não quero saber e, assim, não faço questão que saibam. Não é assim com todos de forma homogênea, mas na desigualdade da distribuição de cada uma das culturas à qual tanto se referiu Eric Wolf. Assim, homens e mulheres, diferentemente, e por perto. Maior intimidade às mulheres. E assim me sinto vivo.
Mas o que faz com que eu não legisle em favor disso? Não tem nada a ver com apoio a uma causa, uma bandeira, um desejo de maioria como a que se manifesta por todos os cantos. O que está em questão é outra coisa. Por quê eu não legislo em meu favor e abro meu peito com uma pintura em favor ao casamento heterossexual e contrário ao homossexual – sem jamais defender que homossexualismo seria crime?
Não que eu goste de Jean Willys, mas há coisas em que há de se ter razão. O casamento como marca reguladora do sexo consentido é coisa séria, e diz respeito a outra coisa que não a bimbada dada no dark room de uma rave. Diante da igreja católica apostólica romana, ao menos na única cerimônia que gostei, o casal casa firmando acordo com a comunidade, dispondo o casal às regras do entorno, que são de ordem moral e, por isso de censura a uma variação respeitável de condutas; sexuais inclusive. E isto, em tese, inviabiliza o casamento civil no qual constam dizeres muito mais sutis do que a união fatal – ainda que a inspiração carregue tanto a cerimônia morna quanto o envolvimento do casal. Mas o movimento tem dois lados. O casamento civil é pautado pelo desejo manifesto de casar ao mesmo tempo em que não assume compromisso com o desejo extra-conjugal, ou qualquer outra regulagem da vida exterior ao desejo de residir e dividir os bens de cada um. Não há dote. Há o que há e só, ainda que nada. E isto é importante, pois não há legislação sobre a atividade sexual de qualquer – salvo quando da violação do corpo alheio. Assim, homossexualismo não é, e não pode ser proibido, exatamente como qualquer aventura nas ancas da vizinha.
Mas como a disputa parlamentar deste ano quer demonstrar, e aí Jean Willys é um papel de tornassol tagarela, a união civil homossexual também não é legal no que diz respeito aos direitos econômicos, aqueles mesmos que não impedem que um homossexual seja contribuinte. Ora, se o Estado na forma da lei não discrimina a vida sexual de alguém enquanto contribuinte – e esta é uma das formas em que se pode identificar que o homossexualismo não é encarado como crime -, o mesmo Estado ao estabelecer critérios assim diferenciais de dedução de impostos não reconhece o suporte e arrimo financeiro em caso de união homossexual. E aí a coisa se mostra como a única face perene da noção de cidadão de segunda classe, mascaradas pela parafernália tosca da retórica de Jair Bolsonaro que não tem coragem de dizer palavra pela ilegalidade do homossexualismo, coisa que ele não quer.
O impedimento do pleno reconhecimento dos direitos econômicos de todos os cidadãos no Brasil de 2011 tem sua face mais expressiva – e exatamente por isso, é uma careta – na lógica da reserva que impede que sequer seja formulado um projeto de lei que tornasse ilegal o exercício da orientação homossexual. São contabilizados os possíveis contribuintes e a parcela da População Economicamente Ativa, oferecendo o resultado de um país inviável em todos o sentidos no caso de um projeto desses vir à luz. Nisto, então, é melhor não mexer. E mais. Fazê-lo seria invalidar os princípios do casamento civil e, por conseguinte, levar de volta às mãos da igreja a legislação da vida sexual. E a pergunta que não quer calar, ao menos aqui... na verdade ela está quietinha, mas eu quero escrevê-la, é: qual igreja vai controlar a ordem matrimonial? Mas isto também não importa. O que importa é que o regime de casamento, os termos de adesão de contrato, legisla sobre o direito econômico que, por sua vez não pode legislar sobre a vida sexual do cidadão, salvo quando crime e, todavia, o faz ao restringir seu pleno acesso a um grupo significativo de cidadãos. Aponta para a população que é, até então, a da cidadania de reserva – nem plenamente legal, nem plenamente ilegal. E isso é o que não pode ser.
Da minha parte, voto pela legalidade plena de forma que se diminuam as fileiras da polícia secreta do mau-humor.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Da série "Aforismos de Merda"
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Fantasmas assim...
Vi estas fotografias e escrevi, logo em seguida, para meu amigo AMPereira, professor da UFBA e biógrafo inédito de um turco-argentino por aí:
"Juro que ver essas fotos foi uma das experiências mais difíceis de "suspention of disbelief" que já tive. Não havia tantas cores, salvo quando mediadas por um pincel. Isto, caro AM, é algo que não pode ser. Assim, talvez sejam as fotos de fantasma mais genuínas que já vi na vida."
Só gostaria de compartilhar. Até porque, é lindo. Tarkovski certamente aprendeu por aí, assim, desse jeito. Atentem para o moleque sentado no gramado, sozinho, e o cachorro dormindo, que AM jura ser sua encarnação passada - até então o dado mais verossívil que disponho sobre estas fotografias.
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
O Critério da Maioria
Peguemos um caso de, digamos, benfeitoria majoritária. Um projeto de investimento que define diretrizes de consumo energético numa lógica de consumo irresponsável. Irresponsável porque investimentos são contabilizados como gastos – mas que não se conte o investimento do projeto como gasto; este sim, é investimento; na era das massas, o investimento que é investimento é chamado de “investimento estratégico” -, futuro é pensado como crescimento (olha a massa!) e população é entendida na lógica da maioria – razão idem. Daí aparece a noção de um investimento em prol da maioria, que para tal exige o sacrifício de uma minoria. E aqui eu peço, por favor, que não entendam minoria segundo o jargão universitário. Estou falando de partes maiores e menores de uma contagem de cabeças numa paisagem povoada por pessoas. Próximo passo: exige-se o sacrifício, cujo número é de 40 mil pessoas, em nome do bem das demais contadas em milhões. Daqui, entende-se um sistema sacrificial delicado, cuja lógica é a de trocar corpos por pepinos e, daí, oferecer à maioria sua própria substância: a maioria. Que, diga-se de passagem, não é ninguém. Explico-me.
Há na obra de Claude Lévi-Strauss (o da antropologia, e não o da calça) um esquema semiológico de redução do ente sacrificado disposto em ordem cósmica em que o mesmo apareça como substituto. Isso mesmo. Como substituto prototípico e só. Assim, pode-se colocar um pepino no lugar do destinado a morrer num ritual, desde que se ressalte a economia semiológica que defina a relação metafórica e faça a conexão precisa que demonstre em lugar de quem que o pepino está sendo sacrificado. Sei que parece absurdo, mas é pedagógico, tanto em O Pensamento Selvagem quanto, espero, aqui. O que entra em questão quando a ordem da maioria é posta é que é preciso desenhar com clareza a situação que relaciona a minoria a ser sacrificada, feito um pepino, em nome dos demais que, por causa de sua situação inconteste de maioria, deve permanecer com seu futuro inatingido – entenda-se futuro como crescimento. Da massa.
No caso de sucesso começa-se a entender quem é a maioria, e qual é seu corpo, nunca pronunciado. Ele é um corpo diretivo que tem suas prioridades definidas segundo esta mesma lógica sacrificial que permite que se opere a morte em massa, desde que em nome de algo maior. Maior. E porque deste jeito? Não sei. Mas gosto da história contada por um alemão chamado Simmel, de que o sacrifício é um adiamento da satisfação do desejo com vistas na consumação futura. Este mesmo alemão convertido em protestante narra uma historiazinha em que há etapas de concretização do sacrifício como formação da atividade simbólica que constitui sentido, digo, atividade simbólica. E aos poucos, a massa começa a aparecer de forma irreversível. Assim, se eu cometer penitência, a mesma passa a ter valor; mas no caso em que há pessoas demais e que eu existo somente como mais um, o sacrifício é essencialmente subjetivo, pessoal e intransferível, aniquilando o efeito do exemplo de comportamento para a ordem coletiva. Então, o que é objetivo, isto é, disposto à ordem comum é coisa que ultrapassa a ação pessoal e se transfere para sacrifícios envolventes, que conduzem aos adiamentos perigosos grupos de pessoas cada vez maiores. Se quatro pessoas afetam mil, 40 mil afetam milhões. Foi assim que este alemão cristão-novo aplaudiu o começo da Primeira Guerra. A sociedade de massas requer sacrifício de massas para gerar distinções históricas que permitam a narrrativa de um antes e de um depois sacrificial, como seria o caso judeu, ou mesmo da juventude alemã. Mas na lógica da maioria, quem é sacrificado é o pepino – isto é, outros milhares em nome dos existentes milhões. E daí percebemos que a maioria é sempre o futuro em nome do qual estamos para morrer, pois a maioria não tem corpo. Ela somente espera a morte do pepino.
Tá bom, eu sei. Nada disso faz sentido. É uma história absurda. Mas é nela é que se enquadra a lógica da ereção da usina de Belo Monte, essa coisa absurda desenhada para as bandas do Rio Xingu. Índio é pepino.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Clichet que vale o que cobra
“Entraram, moçada.”
Por fim ele aparece ao lado dos amigos vitoriosos, sorvendo sua cerveja de 300 pratas a garrafa, diante dos olhos incrédulos dos mafiosos.
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Folha nossa
Houve um tempo, e não exatamente long time ago, que um ambiente digital se dispôs à paródia. Lino (redator-chefe da revista Trip) e seu irmão, Mário (Mário?) montaram um site batizado com o nome Falha de São Paulo. Piada feita, a Folha de São Paulo moveu uma ação contra a Falha.
Mover uma ação contra a Falha, em geral, teria como pressuposto uma forma qualquer de disciplina do corpo visando a correção do espírito, ou mesmo algum tipo de dispositivo pedagógico que reproduz ou inventa uma forma de ordem. Lamentavelmente não é disso que se trata. Como o site se dispunha a fazer paródia, buliu de perto com a logomarca da Folha, que fez passar a piada adiante, tornando-se ela a própria Falha. Queixou-se na justiça de violação dos direitos sobre a marca. Os irmãos Bocchini fizeram sua defesa, com a qual estou fechado. Mas gostaria de ir além, pois há algo que me incomodou.
No processo, disponível no site http://desculpeanossafalha.com.br/ , a Falha, digo, a Folha reclama de danos morais e, não suficiente, recorre à seguinte locução: uso indevido do conteúdo do jornal. Em primeiro lugar, gostaria de saber quais danos morais, e a quem a paródia produziu e em que medida a Folha de São Paulo, ainda que sem parodiar - o que não é verdade; parodia - não faz o mesmo, exatamente porque o fator político da liberdade de expressão não é outro senão o de causar danos morais importantes. Afinal, publicar charges de políticos arranham sua imagem pública, assim como colunistas como Eliane Cantenhêdee Clóvis Rossi não economizam no verbo quando alguém lhe é desafeto ou alvo. E não deveriam, ainda que ache a leitura do que ambos escrevem um saco. A liberdade de expressão é importante porque lesa. E o papel da paródia numa democracia moderna passeia por aí. Tavinho sabe disso muito bem.
Mas o incômodo maior participa da noção de mau uso do conteúdo, pois aí teríamos um universo de considerações a fazer. Imagine-se produzindo uma pesquisa documental sobre as práticas de jornalismo no Brasil contemporâneo. Você escreve uma tese sobre comunicação, capital político e jornalismo e, a partir disto, mostra como a Folha de São Paulo alia ao lay out colorido a uma forma de oportunismo semiótico. Além disso, descobre como o oportunismo do veículo colaborou para se constituir uma relação de aparelhamento do espaço público e a demolição de projetos coletivos por via de ação sistemática contra iniciativas civis de pequeno e médio porte, apoiando a forma de centralização executiva que é marca do país, seu próprio desenho político-institucional. Você publica a tese na qual encontraríamos, além de outras coisas, a fotocópia de algumas páginas do jornal, com manchetes, etc. A Folha considera ser uma Falha do pesquisador chegar a tais conclusões e reclama ser este uso indevido do conteúdo, e não obstante traz em suas páginas a exata logomarca do diário.
Afinal de contas, o que é "uso indevido do conteúdo" de um jornal? E o que fazer, a quem devo processar pelo "uso indevido do conteúdo" estatístico, conceitual e jurídico que a Folha de São Paulo, e o jornalismo em geral pratica diariamente? Ainda faço isso, quero dizer, pego uma matéria "x" que mostra como um evento é determinado por duas variáveis - método utilizado à exaustão pelo jornalismo em geral -, o que estatisticamente é mais que impossível. É uma Falha. Parece-me mais que o erro dos Bocchini foi simplesmente o de terem deixado sua paródia por demais evidente.
Tavinho tem calos nos pés.
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Autorização
A redação do projeto de lei, já disponível no site da Câmara dos Deputados (http://www.camara.gov.br/sileg/integras/818871.pdf) sugere que 1) a mesma, como adendo à lei 10.753 opere em favor da livre circulação da produção intelectual nacional. Disso segue a afirmação de que 2), no caso de uma se livraria recusar em oferecer um determinado livro, deve reportar-se à CBL como exposto acima. Somado a isto, segue que 3) toda livraria será protegida pelo Poder Público, o que permitiria que o mesmo cometa este abuso de interferência muito semelhante à forma de distribuição de impressos do século XIX.
A idéia torpe de Andrada - ou de seu ghost writer, vá lá - é que as livrarias não são meros negócios, pois correspondem a uma atividade indispensável para a vida cultural nacional. Comentar esta verdadeira freada de bicicleta que é este projeto de lei permite que algumas coisas possam vir à baila. A primeira delas é a de uma legislação que não compreende o mercado livreiro em nenhum nível, principalmente no que diz respeito de ser, sim, um mercado. Paga-se impostos, e muitos, nesta atividade. Legislar uma atividade econômica alienando-a de sua própria atividade é patologia bacharel. Mas o mais bizarro é que além de serem contribuintes por comercializarem uma mercadoria depreciada no país, o ilustre deputado almeja que os livreiros do país se resignem a acumular às tarefas diárias o serviço de bibliotecário entendido como funcionário público, redigindo relatórios nos quais constem razões de recusa de uma mercadoria.
A disposição de obras produzidas no país é papel tanto de livrarias como de bibliotecas - cabendo a ressalva de que o tipo de política pública para o qual mira o deputado não é compatível com nenhuma das duas. Mas fundamentalmente, bibliotecas públicas que, em geral, cumprem esse papel mal e porcamente - como a maior parte das livrarias, por sinal. Afinal, sem a recusa de exemplares, colocar livros em qual espaço? Como constituir um acervo? Mesmo a Fundação Biblioteca Nacional tem um espaço tímido para as funções que promove - além do fato de eu não conhecer nenhuma biblioteca pública que não seja setorial, que não promova descarte de exemplares por economia de espaço; e ainda assim, todas muito maiores que as livrarias que conheço.
O projeto de lei ignora a difusão digital do livro - que oferece riscos ao comércio livreiro, como a queda de liquidez do mesmo; ignora a disparidade entre responsabilidades fiscais e exercício do comércio nas pequenas livrarias; a complexidade da distribuição de livros das editoras pequenas e das editoras universitárias, nunca contempladas com uma medida administrativa razoável que impactasse no preço do livro impresso - ainda que se entenda haver outras prioridades na gestão de infra-estrutura nacional.
A bem da verdade, o presente projeto de lei simplesmente ignora.
Seria muito mais interessante que os livreiros conhecessem e cultivassem interesse pelo material que vendem; que soubessem conversar; que soubessem receber e indicar. Que conhecessem seu ofício. Desejo o mesmo aos deputados, tremendamente deslocados, crianças soltas no mundo, bebês em tiroteio.
Segue daqui um recado amigo, ou no mínimo irônico:
Caro Bonifácio de Andrada;
Para desfilar suas frustrações como autor recusado, e de forma tal que faça da frustração uma atividade pública, escreva um blog, e não um projeto de lei. Just like me.